Estudos recentes mostram que 10 a 25% das pessoas que procuram os clínicos gerais apresentam sintomas de depressão. Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2020, a depressão nervosa passará a ser a segunda causa de mortes por doença no mundo. Para tratar dessa questão de modo a alertar para a medicalização da tristeza, o Instituto de Psiquiatria da UFRJ realiza no início de março a palestra “Nova mitologia psiquiátrica para o século XXI: o `bipolar`”, com o professor Miguel Chalub, do departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ.
“Cada vez mais se vê a ideia de que todo mundo tem depressão. É nada mais que uma fabricação moderna, de uma entidade que existe evidentemente, mas não nessa proporção que a imprensa, que a mídia está dando”, avalia Chalub.
O número de tratamentos psiquiátricos aumentou nas últimas décadas, sem que houvesse um aumento na prevalência de doenças. “Nós estamos consciente ou inconscientemente medicalizando um sentimento tão normal que é a tristeza. Ela faz parte da nossa vida, é um sentimento como outro qualquer. Agora, é claro que existem as tristezas normais e as patológicas. Se uma pessoa passa por uma situação desagradável, vai ficar triste. Isso é normal. Acontece que está havendo uma tendência a ver toda tristeza como patológica, como se não existissem tristezas naturais, como se nós não pudéssemos mais ficar tristes. Não interessa se é uma tristeza motivada, que é perfeitamente compreensível, faz parte da nossa composição. Logo é medicalizada, transformada em doença ou em algum transtorno. E é isso que estou denunciando nessa palestra. Inconscientemente as pessoas pensam que é assim mesmo, leem nos jornais, veem na televisão. Agora, eu acho que também há uma questão consciente, que é o laboratório farmacêutico, para vender remédio”, alerta.
Segundo o psiquiatra, hoje em dia os remédios mais receitados são os antidepressivos. As doenças entram no âmbito do negócio, geram lucros para as empresas que vendem tecnologia e medicamentos. Miguel Chalub explica que esse é um alerta inclusive para os médicos. Há essa crescente tendência entre ginecologistas, clínicos gerais, dentre outros, que receitam remédios antidepressivos quando a pessoa está triste, chateada. Os psiquiatras, na verdade, são os médicos que menos receitam antidepressivos, pois estão mais aptos para avaliar a situação, dar apoio, orientação e esclarecimento. Podem ajudar o paciente a encarar o problema, em vez de mascará-lo com remédios.
Nesse cenário, a divulgação científica tem papel duplo e bastante significativo. “Por um lado é muito bom que as pessoas se informem, quanto mais informação melhor. O lado ruim é que as pessoas tiram conclusões que não são as melhores, porque têm informações deficientes, precárias, incompletas, o que pode levar à automedicação. Deve-se procurar um especialista”, conclui.