Dados do Ministério do Trabalho revelam que de  3.751 pessoas nessa situação em todo o país, 529 foram resgatadas nos municípios fluminenses, representando 14,5% do total. Problema se concentra principalmente no setor sucroalcooleiro.

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Memória

Trabalho escravo: uma tradição criminosa

Dados do Ministério do Trabalho revelam que de  3.751 pessoas nessa situação em todo o país, 529 foram resgatadas nos municípios fluminenses, representando 14,5% do total. Problema se concentra principalmente no setor sucroalcooleiro.

Dados do Ministério do Trabalho revelam que o Rio de Janeiro foi o Estado com o maior número de trabalhadores em condições análogas à da escravidão em 2009. De um quantitativo de 3.751 pessoas nessa situação em todo o país, 529 foram resgatadas nos municípios fluminenses, representando 14,5% do total. O Sudeste também registrou a maior incidência de trabalho escravo, com 1.022 casos. O levantamento demonstrou que o problema se concentra principalmente no setor sucroalcooleiro. Todos os trabalhadores resgatados atuavam nas lavouras de canas, matéria-prima para a produção de açúcar e álcool.

Para o Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC), que faz parte do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH/UFRJ), os dados são importantes, mas exigem uma leitura atenta. Segundo o coordenador do GPTEC, Ricardo Rezende Figueira, a constatação de aumento da prática de escravidão pode ser resultante de maior rigor na fiscalização em uma determinada área. Figueira, professor da Escola de Serviço Social (ESS/UFRJ), atenta para a complexidade desse processo. “Os dados sempre são parciais. Nem todos que sofrem o problema da escravidão o denunciam; nem todos que o denunciam o fazem imediatamente; nem todos que o fazem imediatamente, o fazem para quem vai tomar alguma medida”, afirma.

O coordenador explica que uma parte significativa das denúncias acaba não sendo investigada. Isso ocorre, segundo ele, em razão da precariedade da informação prestada pelos denunciantes, que muitas vezes não repassam corretamente ou não sabem o nome da unidade de produção e do proprietário ou sequer o município e como chegar ao imóvel. Figueira aponta outros problemas. “O Grupo Especial de Fiscalização Móvel (do Ministério do Trabalho) não consegue se deslocar a tempo de fazer o flagrante por muitas razões, inclusive porque a Polícia Federal não se dispõe a descolar agentes para acompanhar os funcionários do Ministério do Trabalho sem uma programação mínima de um mês. Mas o crime não marca dia nem hora.”

Punições

Manter trabalhadores em condição análoga à de trabalho escravo é crime previsto no artigo 149 do Código Penal Brasileiro. Além do plantio de cana, o emprego de mão de obra escrava no país também está presente no setor pecuário, nas carvoarias e em outras lavouras. Apesar do aumento do número de pessoas nessa situação no Rio de Janeiro – foram apenas 46 trabalhadores resgatados pelo Ministério do Trabalho em 2008 contra 529 no ano passado –, houve uma redução no mesmo período em todo o país: de 5.016 para 3.751 casos. Depois da região Sudeste, com 1.022 casos, aparecem no ranking do Ministério do Trabalho, em 2009, o Nordeste (875), Norte (702), Centro-Oeste (658) e Sul (315).

Na ocasião em que foi divulgado o relatório, Sebastião Caixeta, procurador do Trabalho e coordenador de Erradicação do Trabalho Escravo, explicou que mudanças na legislação contribuíram para o aumento do número de casos, principalmente no Sudeste. Até 2003, o que caracterizava a condição análoga à de escravidão era o trabalho forçado, realizado sob vigilância ostensiva, ou a servidão por dívida, quando o empregado trabalhava unicamente para saldar dívidas de transporte, alojamento e alimentação com o patrão. A partir de então, foram incluídas na legislação a jornada exaustiva e condições degradantes.

Ricardo Figueira, coordenador do GPTEC, ressalta a participação do Ministério Público do Trabalho nas ações de fiscalização. O órgão, segundo ele, “efetua as denúncias e empreende as ações judiciais contra os escravagistas, de tal forma que alguns têm não apenas sido obrigados a pagar os direitos trabalhistas, que antes sonegavam, como têm respondido na Justiça a ações por Danos Morais Coletivos”, afirma Figueira.

Outras iniciativas, no âmbito administrativo, complementam a atuação dos órgãos fiscalizadores. Segundo o coordenador do GPTEC, o Ministério do Trabalho publica semestralmente um cadastro com as empresas envolvidas com esse tipo de prática visando criar um constrangimento público aos seus proprietários. “O governo orienta os bancos públicos e privados a não liberar recursos para as empresas que constem no cadastro, também conhecido como Lista Suja. Em alguns estados há uma legislação que impede o estabelecimento de contratos com os mesmos grupos. E há ainda um pacto assinado por grandes empresas, que teriam uma participação de 20% do PIB nacional, de não adquirirem produtos provenientes de firmas cujos nomes constem na lista.”

O GPTEC conta com uma equipe multidisciplinar de pesquisadores de diversas universidades. Os participantes promovem reuniões científicas, seminários internacionais, cursos e publicações sobre o tema. Também permite que o seu acervo, relativo à escravidão por dívida, seja fonte de pesquisas e estudos.