Em 1979, num histórico 28 de agosto, era dado o primeiro passo para a volta do regime democrático no Brasil, com a chamada Lei da Anistia, “ampla, geral e irrestrita”. Em comemoração à data, que completa 30 anos, na manhã chuvosa da última quarta-feira (30/9), houve o encontro entre parentes de estudantes e professores da UFRJ desaparecidos e mortos durante a ditadura.
O tom que marcou a homenagem foi de lágrimas e de esperança, ao receber, em um auditório lotado, a presença de membros ilustres do governo e nomes que ficaram na história dos arquivos da ditadura. Mariléa Porfírio, diretora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP- DH), deixou transparecer a indignação que ainda permanece quando se falam dos caminhos e das consequências geradas para os que cometeram crimes hediondos contra o povo, “o legado que deixaram não pode ser em vão”, disse referindo-se aos mortos pelo governo.
Sua emoção ao falar de memórias delicadas embargava a voz em alguns momentos, e ao discursar sobre não se tratar de revanchismo, mas de um ato de respeito aos direitos humanos, pediu o julgamento e a punição dos torturadores. “As vítimas do passado são os vitoriosos de hoje, e, embora não estejam entre nós, é com muito orgulho que me sinto unida a essa geração”, falou enquanto deixava escaparem algumas lágrimas.
Marcada pela perda da mãe, do irmão e da cunhada, Hildegard Angel simboliza o legado que a ditadura deixou para muitos, e com sua presença disse o quanto honrada se sente por representar o brado contra o atentado aos direitos humanos. Além de deixar clara a admiração pelos que foram, confessou, “eu tenho o traquejo de carregar cruzes de pessoas que tiveram a coragem que eu não tive”.
“Éramos muito livres”
Ao relembrar momentos em que estava discutindo a revolução com seus companheiros, o Ministro da Cultura Juca Ferreira disse que eram muito livres naquela época em que, antes do AI-5, para eles era como se não existisse governo, simplesmente por que não reconheciam a sua validade.
Citando nomes que constavam no caderno de vítimas distribuído pela organização do seminário, o Ministro fez algumas pausas durante a fala, sem conseguir conter a emoção de se deparar com tantos antigos companheiros que já não mais compartilhavam a presença neste mundo. “O Zé Roberto sempre ficava lá em casa”, disse referindo-se a José Roberto Spiegner, morto em 1970.
Sua fala tomou um tom mais forte ao falar de como não consegue ver essas pessoas como vítimas, mas como heróis. Para ele, a verdadeira homenagem é reconhecer a força e a coragem deles, “foram pessoas que semearam sonhos e viveram profundamente isso”, disse ao afirmar que merecem o respeito da sociedade brasileira.
Memória e verdade
Numa iniciativa aplaudida pela plateia, Paulo Vannuchi, Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, disse haver certa disputa entre a memória e a verdade na história da ditadura, quando é preciso que elas se alinhem. “A anistia não foi ampla, geral e irrestrita. O Ministro do Supremo não pode dizer isso; esse tipo de analfabetismo não pode ser aceitado”, argumentou.
Surpreendido ao ser perguntado por um membro da plateia, se Cesare Battisti seria extraditado e como ficaria sua condição, Vannuchi foi conciso, “toda nossa ação será para mantê-lo no Brasil”, respondeu.
Ao fechar o seminário, Aloísio Teixeira, reitor da UFRJ, reiterou o discurso do ministro Juca, ressaltando a importância de se olhar para o futuro, além de manter na lembrança os que se foram como heróis e não como vítimas. “Estou aqui alegre, porque estamos recuperando a história. E queremos escrever uma nova história”, disse.
Ao final, Hildegard recebeu uma placa em homenagem, que dedicou aos familiares que ali se encontravam presentes, “isso é de vocês”.