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Os mistérios da morte

Sob o título “A disposição da `Boa Morte` na sociedade carioca”, Márcia Generoso – aluna do 6º período da Faculdade de História – abordou no dia 06/10, sem obscuridade, a maneira como a sociedade do Rio de Janeiro lidava com o fim da vida no século XIX. Para isso, contou com a orientação da professora Marta de Andrade e uma bibliografia repleta de referências a esta que ainda hoje permanece como um dos maiores mistérios enfrentados pelo homem: a morte. A coordenação do evento ficou por conta dos professores Sílvio de Almeida Carvalho Filho (do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) e Maria da Glória Botelho (da Faculdade de Educação).
Tomando como base o período compreendido entre 1830 e 1890, a autora da pesquisa permitiu-se lidar com um momento de corte e ruptura de padrões. Deixa bem claro, nesse sentido, que até a primeira metade do século XIX a morte era vista com respeito e medo, mas, ainda assim, como parte fundante da própria vida.
Chamada de “domesticada”, a morte nesse período aparece como uma novidade tão essencial à vida quanto o casamento ou o nascimento. É nesse sentido que surge o conceito de “Boa Morte”, intimamente ligado a preceitos religiosos cristãos. E o que seria isso? Explica Márcia Generoso: “Havia uma preocupação com relação ao durante, ao antes e ao depois da morte. A pessoa vive para se preparar para este momento. Para se chegar a uma boa morte deve-se seguir as práticas e os rituais.”
Para fundamentar, cita um trecho do livro “A morte é uma festa” de João José Rei: “Temia-se, e muito, a morte sem aviso, sem reparação, repentina, trágica e sobretudo sem funeral e sepulto adequados. Mas desde que os vivos cuidassem de seus mortos, enterrando-os segundo os ritos sagrados, eles não representariam perigo espiritual.”

Seria neste tipo de contexto que teria nascido o testamento. Os documentos da época revelavam uma relação de pessoalidade que ia muito além da formalidade dos dias atuais. Existia um simbolismo emocional muito forte que, até certo ponto, faz lembrar da preocupação com o mundo do além, tão cultuado pelos antigos egípcios. Generoso lembra ainda das carpideiras, mulheres que eram contratadas para se lamentar pelo morto. A crença era de que tal gesto afastaria os maus espíritos.

Existe, porém, um contrapeso. A partir de certo momento, teríamos passado a cultivar uma estratégia de negação da morte, como se ela sequer existisse. É um tipo de movimento que vários estudiosos apontam existir hoje, de modo bastante intenso. “Com o passar do tempo, a morte começa a perder uma parte de sua pompa. Hoje procura-se não mais falar dela. Dirigimos-lhe um sorriso embaraçado”, afirma a autora da pesquisa, citando José Carlos Rodrigues e seu livro “Tabu da Morte”, também parte da bibliografia. 

Apesar do pouco tempo que teve disponível para abordar um assunto tão extenso, Márcia Generoso discorreu de modo claro a questão de como lidamos com o mistério da morte em diferentes momentos. História, filosofia e psicologia se entranharam em sua argumentação. O evento foi uma boa mostra de que é possível haver integração entre diferentes cursos no sentido de gerar conhecimento diverso e interdisciplinar.