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Participantes da Flip debatem limites entre realidade e ficção

Arnaldo Bloch, Sérgio Rodrigues e Tatiana Salem debatem no Fórum de Ciência e Cultura.

 Escritores que participaram da última edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) se reencontraram na última terça, dia 07, no Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ, no evento “Depois da Flip”. O encontro, realizado na Capela de São Pedro de Alcântara, no campus da Praia Vermelha, reuniu os jornalistas Arnaldo Bloch e Sérgio Rodrigues, além da escritora e pós-doutoranda em Letras Tatiana Salem Levy. Os autores falaram sobre sua trajetória e discutiram o processo de produção literária a partir das suas obras, lançadas recentemente no mercado editorial.

Apesar dos temas distintos, os livros Os irmãos Karamabloch, de Arnaldo Bloch, e Elza, a garota, de Sérgio Rodrigues, apresentam como traço comum um extenso trabalho de pesquisa jornalística, com busca de documentos e diversidade de fontes. Já em A chave da casa, Tatiana Salem mescla relatos e impressões pessoais com ficção. A professora Beatriz Resende, coordenadora do FCC, participou como mediadora dos debates.

A saga da família Bloch

Colunista de O Globo, Bloch resolveu transformar em livro a saga da sua família, oriunda da Ucrânia, que construiu no Brasil um império no campo da comunicação. Os imigrantes chegaram ao país em 1922 sem recursos, depois de enfrentar tanto as perseguições do czar russo como a opressão dos bolcheviques no período inicial da Revolução Comunista. No Brasil, o único patrimônio era a gráfica do patriarca Joseph Bloch, tipógrafo judeu.

A obra remonta a trajetória dos irmãos Boris, Arnaldo e Adolpho Bloch, este último um dos personagens centrais na história da imprensa brasileira. A revista Manchete era o carro-chefe do grupo empresarial, que contava no período áureo com emissoras de rádio e TV, gráfica, editora de livros e uma série de publicações periódicas. Segundo o autor, o maior desafio para produzir Os irmãos Karamobloch foi lidar com esse passado tão particular envolvendo sua família. “Desde pequeno, já sentia o cheiro do papel, o cheiro da tinta na gráfica. Uma das questões era saber se conseguiria enfrentar essa relação com a minha família”, afirmou o jornalista, ex-aluno da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ.

Segundo ele, a conclusão do livro representou uma espécie de renascimento. “Saí do útero de novo. Na verdade, ainda estou no pós-parto”, comparou Bloch, em tom de brincadeira. O jornalista procurou evitar uma visão idealizada, apenas com fatos e passagens favoráveis sobre seus antepassados, mas descartou a neutralidade: “O livro é parcial para os dois lados.”    

Resgate histórico

Uma história real transformada em romance. Assim pode ser definido o livro Elza, a garota, nas palavras do seu autor, o jornalista Sérgio Rodrigues. A obra remete a um dos momentos mais dramáticos na trajetória do Partido Comunista do Brasil. O acontecimento histórico tem relação com o assassinato de uma jovem, Elvira Cupello Calônio, codinome Elza Fernandes, executada sob a suspeita de ter delatado companheiros do partido em meados da década de 30. A opção de Rodrigues, ex-correspondente do Jornal do Brasil em Londres, foi construir uma narrativa levando o real para uma obra de ficção.

“Nesse livro faço as pazes entre o escritor e o jornalista. Utilizei o tema como mote para se entender o Brasil de hoje”, declarou Rodrigues, que mantém um blog sobre crítica literária. A exemplo de Bloch, o jornalista se formou na ECO/UFRJ.

Também participante do “Depois da Flip”, a escritora Tatiana Salem Levy revelou que o seu premiado romance A chave da casa foi apresentado inicialmente como tese de doutorado em Letras. A história inclui as memórias de uma narradora que revive o legado de exílio da sua família após receber a chave da moradia dos seus avôs na Turquia. A escritora disse que não precisou aplicar o conhecimento teórico acumulado na Academia para escrever o romance. “O livro foi feito de uma forma não estruturada. Misturei coisas pessoais com ficção e trabalhei também a questão da memória”, explicou Tatiana.

Após o encerramento da primeira mesa, o evento recebeu Bernardo Carvalho, autor de O filho da mãe, lançado este ano. Carvalho, que também esteve na Flip, foi vencedor dos prêmios Jabuti e Portugal Telecom.