Em comemoração ao Dia Internacional pela Saúde da Mulher, o Instituto de Estudos da Saúde Coletiva (IESC) da UFRJ promoveu na última sexta-feira (29/05) o evento “Aborto: uma questão pública ou privada?”. Foi exibido o filme Fim do silêncio, seguido de discussão sobre a temática.
Alcilene Cavalcante, da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, acredita que o desafio em relação ao aborto é lidar com o particular diante da universalidade. Para ela, a polêmica da questão envolve a compaixão, sentimento que induz o católico a se colocar no lugar do outro. “Não se pode jogar a pedra. Mulher nenhuma engravida pensando em abortar”, diz Alcilene.
Ela considera complexo o tema e a problemática e não acha que um posicionamento contra ou a favor do aborto seja pertinente. No entanto, defende que a mulher tenha o direito de poder decidir sobre seu futuro.
— O catolicismo é polifônico, tem muitas vozes. A hierarquia tende a ser a voz mais escutada, pois há o hábito de valorização da autoridade. Mas o Vaticano não é a única voz. Existem diferentes correntes teológicas e nem todas condenam o aborto — declara a palestrante. Segundo ela, o aborto nem sempre foi condenado na Igreja Católica e não é um dogma.
De acordo com Alcilene, os católicos frequentemente recorrem à consciência, tida como instrumento legítimo na religião. “Deve-se fazer uso desse recurso também para a questão do aborto”, afirma. Para ela, maternidade não é obrigação, mas escolha. “A mulher é diferente das fêmeas de outras espécies. Nós pensamos, planejamos. A maternidade é colocada como missão do ser feminino, enquanto na verdade ter um filho deve ser um projeto de amor”, declara. Ela diz ter concluído que, para a construção do sistema democrático, é preciso considerar a pluralidade de pensamentos.
Legislação atrasada
Ana Paula Sciammarella, advogada e consultora do Ipas, organização voltada à saúde da mulher, acredita que um dos grandes problemas enfrentados pela mulher que se decide pelo aborto é o medo de que seu caso seja encaminhado à polícia, somado ao preconceito que pode sofrer nos hospitais. Ela já advogou para mulheres criminalizadas pela prática. “Normalmente são pessoas pobres, que não tiveram acesso a uma clínica e acabaram expostas na rede pública”, relata a advogada.
Ela considera o aborto uma questão de gênero, envolvendo relações entre homens e mulheres. “O aborto hoje pode ser acompanhado por uma situação de violência, que pode vir antes ou depois da prática”, explica.
— A famosa frase “pariu, tem que criar” acaba sendo imposta apenas às mulheres, e não aos homens — constata Ana Paula. Para ela, o debate em torno do aborto deve dar maior voz ao lado feminino, que é o mais envolvido na questão. A advogada defende o respeito aos direitos individuais e à laicidade do Estado.
Outro ponto levantado por Ana Paula foram os casos de anencefalia, não previstos pela lei, que só isenta de crime o aborto por motivo de violência ou realizado por mulher que corra risco de vida com a gravidez. “Não há legalidade para a realização do aborto nesse caso, é necessário um pedido judicial. A gestante fica jogada à sorte de quem vai julgar o caso, que é um juiz. Só que essa é uma questão de forte caráter científico; medicina e direito são duas áreas que devem dialogar nesse caso”, avalia.
A advogada julga necessário que se discuta quem são as pessoas que denunciam mulheres que abortaram e quais são seus motivos. Também acredita que é preciso mudanças na lei para solucionar o problema. “Nossa lei é muito atrasada”, afirma Ana Paula Sciammarella.
Parcela pobre, a mais atingida
Marisa Palácios, da pós-graduação em Bioética do IESC, alertou para o alto número de mulheres que estão morrendo pela prática do aborto inseguro. “A legislação atinge a parcela mais pobre, que vai ao sistema de saúde pública e é humilhada”, revela Marisa.
Quanto à lei em relação ao feto anencefálico, ela acredita que a criminalização do aborto nesse caso ainda exista devido ao valor atribuído à mulher na sociedade. “Do ponto de vista feminino, a sensação é de um caixão ambulante. Mas é como se o sofrimento da mulher não importasse”, aponta. Marisa conclui que a decisão sobre abortar ou não tem que ser colocada no nível da mulher.