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A hereditariedade do câncer em discussão

Ilana Lowy, historiadora de ciência e medicina e pesquisadora do CERMES (Centre de Recherche, Medecine, Sciences, Santé et Societé) de Paris, foi a convidada da última sessão do Centro de Estudos Professora Lúcia Spitz. A professora, que atualmente desenvolve estudos relacionados aos dilemas do pré-diagnóstico de câncer e seu impacto na sociedade moderna, ministrou a palestra intitulada “O diagnóstico na predisposição hereditária ao câncer” no auditório 9E34 do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) na última quarta-feira.

Ela iniciou a apresentação contando que no século XIX verificou-se em algumas famílias grande incidência de câncer no seio, mas que não havia comprovação científica da hereditariedade. A ideia de que o câncer pudesse ser hereditário na época era até combatida pelos médicos. “Nas décadas de 40 e 50 do século passado houve o avanço na tese de que o câncer poderia ser hereditário, mas esses estudos mantiveram um caráter periférico até os anos 80”, expôs a professora.

Com o desenvolvimento da genética na década de 80, a teoria ganhou um reforço. Pesquisas na área evoluíram ao ponto de traçar a relação entre genes e o câncer de mama e ovário. Dois genes, o BRCA1 e o BRCA2 foram estudados, clonados e até mesmo patenteados pela empresa responsável pela pesquisa (o que causou polêmica e está sendo contestado na justiça).

Com isso mulheres que apresentam histórico familiar grande de câncer no seio recebem a recomendação de fazer o teste para verificar a existência de alguma alteração nesses genes. “Percebeu-se que nessas mulheres, em caso de alterações, haveria uma propensão de 80% no desenvolvimento de câncer de mama durante toda a vida”, explica Ilana. Ela ressalta contudo que esse índice cai para 40 a 60% em casos de famílias com menor proporção de câncer.

As recomendações em situações de risco muito alto são a ressonância magnética, a mamografia e em alguns casos a mastectomia e a ovariectomia preventivas. Porém, os índices de aceitação dos procedimentos variam muito. A maioria dos médicos concorda com a ovariectomia, mas nem todos concordam com a mastectomia. A aceitação das pacientes também varia muito conforme o país.

— Desenvolveu-se uma chamada psico-oncologia para averiguar de que forma essas cirurgias afetariam a autoimagem da mulher. Mulheres que perderam a mãe para a mesma doença, por exemplo, estariam mais propensas a aceitar a solução drástica. Mulheres que já foram mães também costumam aceitar a ovariectomia com mais facilidade — aponta Lowy.

Ela falou também das variáveis ambientais, da prescrição dos testes para averiguar mutações genéticas e abordou ainda a questão de proporcionalidade do fator hereditário em relação ao quadro geral dos casos de câncer.