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Conferência de Bioética discute aborto

 Aconteceu na quarta-feira, 20 de maio, no auditório Professor Rodolpho Paulo Rocco, a Conferência de Bioética da Faculdade de Medicina (FM) da UFRJ. O evento, organizado por Marisa Palácios, professora-adjunta da Faculdade de Medicina e do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da UFRJ, teve como objetivo discutir entre os alunos da pós-graduação do IESC o aborto, tema sempre polêmico.

Como base para o debate, foi exibido o documentário curta-metragem Uma História Severina (2005), das diretoras Debora Diniz e Eliane Brum. Em seguida, Arnaldo Pineschi, coordenador da Comissão de Bioética do Conselho Regional de Medicina (CREMERJ), ministrou a palestra “Objeção de Consciência” e Marilena Correa, professora-adjunta do Instituto de Medicina Social da UERJ, a palestra “Aborto e Saúde Pública: 20 anos de pesquisa no Brasil”.

O filme narra a trajetória dos plantadores de brócolis de Chá Grande, interior de Pernambuco, Severina e Rosivaldo. O casal teve seu destino alterado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal. A mulher, grávida de quatro meses de um feto sem cérebro, estava internada no hospital na mesma tarde em que o tribunal cassou a permissão para interromper a gestação. Era 20 de outubro de 2004. Severina peregrina por fóruns e maternidades por três meses. Pede que lhe abreviem o sofrimento. É narrada toda a história de Severina, que os ministros não acompanharam.

A grande discussão que norteou a conferência girou em torno do momento no qual, mesmo com o respaldo de uma decisão judicial para realizar o parto prematuro, o anestesista da equipe médica se negou a fazê-lo ao alegar motivos ideológicos. A partir dessa questão, Arnaldo Pineschi abordou a objeção de consciência, visto que o Código de Ética Médica garante a autonomia do médico para não realizar procedimentos que sejam contrários às suas ideias, mesmo com garantias legais para a sua execução.

Pineschi apresentou a Constituição Brasileira como fator para garantir a objeção de consciência, visto que ela confere a qualquer cidadão o direito à liberdade de consciência e religiosa. Entretanto, outro item fundamental do Código de Ética Médica assegura que a saúde do paciente deve ser colocada em primeiro lugar. O Código Penal Brasileiro prevê punições ao profissional que negar socorro à paciente em caso de risco. Essa contradição legal mostra que a autonomia médica é relativa e que o princípio do direito à vida está acima de qualquer outra implicação.

Foi discutida a descriminalização do aborto e o posicionamento do Estado. Analisou-se que já se passou do tempo de o aborto ser tratado como questão de saúde pública. A legalização beneficiaria as mulheres das classes humildes, que teriam acesso a uma prática mais segura, feita clandestinamente. Também foi levantada a bandeira de que é necessária a mobilização de setores da sociedade civil para a ampliação desse debate.

Arnaldo Pineschi ainda defendeu o direito da mulher de escolher se quer abreviar ou não a gravidez, principalmente de um feto anencéfalo. “A descriminalização do aborto diminuirá a mortalidade materna, e não os índices de aborto. Quem estiver disposto, continuará fazendo na ilegalidade.”

Marilena Correa trouxe dados de sua pesquisa “Aborto e Saúde Pública: 20 anos de pesquisa no Brasil”, feita em parceria com pesquisadores da UERJ e da UnB a partir de encomenda do Ministério da Saúde e que buscou cruzar informações a respeito do tema e traçar um panorama da realidade brasileira. Desse modo, Marilena garantiu que essa ação evidencia uma mobilização estatal para definir uma política de saúde pública voltada para o aborto.

Curiosamente, constatou-se que 52% das mulheres que fizeram aborto no Brasil entre 1987 e 2007 se declararam católicas. A pesquisadora ainda explanou as dificuldades para a realização da pesquisa, para a coleta de dados, por abordar uma prática ilegal, que ainda hoje se configura como tabu na sociedade brasileira. Marilena afirma, categórica: “Eu duvido que nasça uma criança anencéfala na Europa.”