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De Carmen Miranda à Bossa Nova: a trajetória do rádio no Brasil

 Teve início na terça-feira, dia 14, o evento “Radioação – II Semana de Radialismo da UFRJ”, que se estenderá até 16 de abril com mesas-redondas e oficinas que resgatam a memória e traçam as perspectivas do rádio. Na primeira noite do evento, cujo tema foi “Frequências passadas: memórias do rádio”, estiveram presentes importantes nomes da área, como José Carlos Araújo, o “Garotinho”, da Globo Rio, que transmitiu seu programa, o Globo Esportivo, ao vivo do auditório Pedro Calmon do Fórum de Ciência e Cultura com o  seu colega Luís Mendes, o “Palavra Fácil”. Além dos radialistas, participaram da abertura o escritor e jornalista Ruy Castro, autor da biografia sobre Carmen Miranda, e Luiz Carlos Saroldi, mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ e ex-coordenador e apresentador de programas culturais na Rádio Jornal do Brasil.

— Carmen Miranda foi o grande motor de popularização do rádio e dos meios de comunicação þu disse Ruy Castro. Segundo o escritor, Carmen teve a sorte de vivenciar o começo dos grandes veículos de comunicação, como o rádio, o disco, o cinema mudo e, mais tarde, a TV. Mas foi no rádio que seu sucesso começou. Ruy contou que a estreia da “pequena notável”, aos 14 anos em uma apresentação de canto de sua turma de colégio, aconteceu na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, primeira no Brasil fundada por Roquette Pinto. 

Apesar de ser mais conhecida pela sua participação no cinema americano, Carmen fez história no rádio. Iniciou sua carreira de cantora com apresentações nas rádios cariocas na década de 1930. Diferente das outras cantoras da época, possuía uma voz familiar, sem a erudição das aulas de canto e da ópera, o que fez com que o povo se identificasse com ela. Conforme a popularidade de Carmen crescia, aumentavam também as vendas de aparelhos de rádio. “Quando o Brasil começou a ouvir a Carmen Miranda com aquela picardia e espontaneidade, eu tenho certeza de que o país sentia nela a sua própria voz”, comentou Ruy Castro.

Segundo o escritor, a história radiofônica de Carmen está profundamente atrelada à rádio carioca Mayrink Veiga, reduto dos talentos da chamada Era do Rádio. Carmen foi a primeira artista contratada por essa emissora, que se destacou como pioneira no processo de profissionalização, concedendo benefícios trabalhistas a seus funcionários e deixando de lado a prática dos cachês. Segundo Ruy Castro, a Mayrink Veiga possuía na época um poder que nenhuma outra emissora detinha no país e isso se devia ao seu diretor artístico e locutor César Ladeira, inventor de famosos bordões, dentre eles “a pequena notável”. César revolucionou o rádio inventando novos tipos de programas, como o “Teatro pelos Ares”, apresentado por ele e Plácido Ferreira, programas humorísticos e radionovelas. Além disso, em seu período na emissora, a Mayrink Veiga foi a primeira a ficar 24 horas no ar, a levar seus microfones para as ruas e a fazer transmissões internacionais.

Após anos de idas e vindas na emissora, Carmen, já muito famosa, embarca em 1939 para os EUA, onde participa de diversos programas de rádio, além de gravar filmes e fazer apresentações em casas noturnas e na Broadway. “Carmen Miranda foi um dos poucos artistas que triunfou em todos os veículos de comunicação por onde passou. Poucos conhecem sua história no rádio, mas essa importante faceta de sua carreira agora começa a ser retomada com as gravações de programas de rádio”, comentou Ruy Castro.

Cerca de três décadas depois do fenômeno Carmen Miranda e após diversas transformações no cenário radiofônico brasileiro, surge a Bossa Nova. Luiz Carlos Saroldi, que então trabalhava na Rádio Jornal do Brasil, contou que havia resistência dos donos das emissoras ao novo estilo musical. Porém, ele e seus colegas de trabalho perceberam que a novidade combinava com a programação da rádio, que tinha preocupação com seu repertório musical e não admitia gravações de má qualidade. “Os donos implicavam com a MPB. Tentávamos equilibrar a Bossa Nova e as músicas estrangeiras preferidas por eles no repertório”, disse Saroldi.

Passadas muitas gerações, embaladas por diferentes sons e programas de rádio, hoje fica a pergunta: será que o rádio vai sobreviver às novas tecnologias que primam pela convergência de som e imagem? Saroldi responde que sim e citou um artigo publicado na antiga revista Correio da Unesco, em 1997, que indagava se o rádio iria continuar no século XXI. A revista dizia que o rádio permaneceria, pois “é através dele que os jovens encontram a cor musical que lhes interessa, porque a voz do locutor chega às pessoas com afeto e principalmente porque em princípio ele não tem imagem”. Segundo Saroldi, a imagem sacrifica o conteúdo e por isso o rádio vai continuar a ter público. O profissional complementa: “Na TV, o diálogo é frouxo e a imagem dispersa.” No entanto, o especialista vê alguns desafios para o rádio. O principal seria o atual aumento do número de emissoras com fins políticos e religiosos, o que acarreta a diminuição das rádios comerciais e consequente queda das contratações.