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Eutanásia, seria esta a boa morte?

O Centro de Estudos “Professora Lucia Spitz” realizou um debate sobre o polêmico tema “Eutanásia” na última quarta-feira (10/12) no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF). O professor do Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO) Rodrigo Siqueira Batista abriu o evento com a palestra “Doutor, eu quero morrer!” — Matizes do debate moral sobre Eutanásia. “Venho pensando e discutindo sobre esse assunto. Trouxe algumas reflexões, muito mais no sentido de colocar lenha na fogueira com perguntas e indagações do que propriamente achar algum caminho”, disse ele, que se inspirou em filmes como Mar Adentro e Invasões Bárbaras, ambos abordam a questão do fim da vida.

Segundo Rodrigo, existe uma expectativa no ser humano de alcançar uma idade avançada com boa qualidade de vida. Porém, nem sempre isso acontece. Muitas vezes o indivíduo se encontra diante de uma situação de saúde delicada com ele próprio ou com algum familiar. A circunstância de existência passa a ser muito complicada e, a partir daí, surge a possibilidade e o desejo de exterminar o sofrimento através da escolha de uma boa morte, significado de Eutanásia — termo utilizado inicialmente para descrever a morte de um imperador romano no século II. A questão, bastante complexa, extrapola indivíduo e família, acabando por envolver o médico.

O sofrimento

— Minha indagação é: como gostaríamos de morrer? Muitos de nós, profissionais de saúde, quando pensamos nessa pergunta que é muito dolorida e normalmente tentamos jogar para baixo do tapete, freqüentemente chegamos a uma resposta que pouco tem a ver com a assistência que oferecemos aos pacientes nos lugares em que trabalhamos. Se não desejamos isso para nós, e proporcionamos aos outros, percebemos que há um descompasso — aponta Batista. Para ele, deve-se identificar e mapear diferentes possibilidades para que a pessoa se coloque o pré-destino de morrer. O professor acredita que o que mais sobressai no debate sobre eutanásia é o sofrimento, que pode ser de três formas: físico, psíquico e social.

De acordo com Rodrigo, as doenças e a dor são instrumentos da vida através dos quais os seres humanos se reconhecem como mortais. “O sofrimento psíquico que tem a ver com a perspectiva do pensar no que está por vir, na possibilidade do padecimento com um processo de morrer muito doloroso. O social envolve a família, pessoas próximas e o próprio profissional da saúde”, explica o professor. Ele conceituou o significado de dor total, que corresponde ao sofrimento físico, somado ao padecimento psíquico e à amargura social. “O sujeito que estamos discutindo o cuidado pode acreditar que sua vida deixou de ser digna, o que o leva a querer deixar de existir”, indica Batista, que citou a frase de um personagem do filme Mar Adentro: “Quero morrer porque a vida para mim, neste estado, não é digna”.

— Quem deve ser informado primeiro? Ainda se coloca a questão de quem decide sobre a morte. É a própria pessoa, a família, ou o profissional de saúde? — questiona Rodrigo. O professor acredita que a tomada de consciência do indivíduo enfermo deve ser valorizada na relação com o profissional de saúde. Para ele, o médico tem certo receio em lidar com situação do doente e evidentemente apresenta dificuldade em comunicar notícias dolorosas. Segundo o professor, a abreviação do processo de morte por não colocar o paciente em respirador, nem tratá-lo com antibiótico, ou ainda, aplicar substância que pode ocasionar a morte, são medidas que podem aliviar um grande e insuportável sofrimento.

O bom sentido

Para Rodrigo, atualmente o termo eutanásia está relacionado a uma perspectiva bastante ruim. Um dos possíveis motivos citados por ele é o fato de ao longo do século XX, vários crimes terem sido cometidos no estado nazista em nome da eutanásia. “A proposta é que possamos recuperar o sentido da palavra, que é justamente boa morte. Quem de nós não quer uma boa morte, quem de nós não quer uma eutanásia?”, questionou o professor.

Ele acha importante entender a interdependência entre enfermo e profissional, a equipe de uma forma mais ampla e os familiares. Devem ser considerados aspectos como o cuidado, a comoção e a compaixão. “É o reconhecimento de que o paciente está passando por um sofrimento, está em processo de morrer. A atitude do profissional deve levar isso em consideração”, argumenta.

Na conclusão, citou Shakespeare: “Morrer — dormir, nada mais; e dizer que pelo sono se findam as dores, como os mil abalos inerentes à carne — é a conclusão que devemos buscar. Morrer — dormir; dormir, talvez sonhar”. O professor Rodrigo deixou a indagação: “Quem sabe se não é função nossa, profissionais da saúde, permitir que estes sujeitos que estão em situação muito dolorosa, possam morrer em estado racional?”

Outros convidados

Ricardo Amorim, professor da UFRJ que também trabalha no CTI, foi o segundo a falar. “Acredito que todos nós queremos morrer de maneira suave, tranqüila, sem sofrimento, sem prolongar indevidamente a nossa tentativa de viver, este é um senso comum”, afirmou. No entanto, ele também expôs o ponto de vista do profissional da saúde: “O médico não é treinado a não fazer, ele é treinado a agir, tem vergonha se não fizer. O medo de não fazer pertence ao seu universo”.

— Antes não se discutia se valia a pena fazer com que uma pessoa sobrevivesse em determinadas condições, atualmente isso é cada vez mais debatido — observa Ricardo. Ele acredita que é preciso pensar, sobretudo, na qualidade de vida da paciente. “Existem situações de pessoas internadas em CTI por anos, e isto é complicado, pois algumas preferem viver assim. Devemos interromper isto?”, questiona o professor. Para ele, a constatação sobre a possibilidade da eutanásia em determinado caso deve partir de um consenso entre três médicos experientes, para que atitudes precipitadas não ocorram. “Quando se consegue chegar à conclusão de que dentro da medicina nada se pode fazer, deve-se a partir daí conversar com a família, o que eu acho muito doloroso. É difícil para eles decidirem, por isso considero muito importante que o médico saiba dizer que não pode fazer mais nada pelo paciente”, conclui Amorim.

Por fim, o debatedor Sérgio Zaidhaft, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ, apresentou dois pontos de vista da questão: “Por um lado, 95% a 99% das pessoas diriam que preferem morrer de repente, dormindo, sem ter consciência de estar morrendo, sem sofrimento, doença ou aviso prévio. Em contrapartida, sabemos o que a eutanásia implica. Se o profissional puder permitir que paciente morra, quem garante que na calada da noite os médicos, amparados pela lei, não resolvam aplicar eutanásia? Que desconfianças isso pode gerar na população?”, colocou o professor, abrindo o Centro a discussões.