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Assistência Psiquiátrica Comunitária: desafios americanos e brasileiros

O centro de estudos semanal do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB) recebeu, nesta sexta (26/09), sua diretora clínica e psiquiatra, Maria Tavares Cavalcanti para proferir a palestra Desafios para uma  psiquiatria comunitária no mundo contemporâneo: experiências brasileiras e norte-americanas, na qual fez uma análise comparativa entre os projetos de ambos os países baseada em sua recente experiência de pós-doutorado na Universidade de Columbia, EUA, e na convivência com os projetos de assistência  psiquiátrica do estado de Nova York. 

Maria apontou que pelo fato dos EUA serem uma federação onde seus estados detêm autonomia em relação ao governo central, a sua estrutura asilar e seus projetos de saúde mental não são hegemônicos. “Outras formas de assistência e mesmo de compreensão das doenças mentais se desenvolveram fora dos poderes do Estado” disse a pesquisadora sobre a estrutura assistencial americana que é fragmentada, devido a falta de um sistema único de saúde, e composta por hospitais universitários, organizações não governamentais e projetos de iniciativa privada isolados entre si que podem ou não receber incentivos e recursos governamentais.

Segundo o Órgão Mundial de Saúde (OMS), 50% da população mundial sofre ou sofrerá de alguma doença mental em algum momento da vida, sendo que desta porcentagem cerca de 6% se enquadram na categoria de doentes mentais graves e apenas 25% dos doentes receberão tratamento. Maria contou que em Nova York 29% dos adultos com transtornos mentais severos apenas obtém tratamento quando já chegam ao estado de internação, número que cresce para 27% entre as crianças. “Mesmo em um estado como Nova York, que tem muitos recursos, a assistência é precária” disse a pesquisadora que atribui a isto o fato de não haver uma boa organização dos recursos e integração entre os projetos.

Em sua visita ao estado americano, Maria teve contato com o Office of Mental Health (OMH), espécie de secretaria de saúde mental, que é responsável pela regulação, licenciamento e fomento de 2500 projetos de assistência mental comunitária. Lá a pesquisadora teve a oportunidade de ver de perto o funcionamento de programas como o  Critical Time Intervention (CTI), criado pela Universidade de Columbia para prover assistência a doentes mentais moradores de rua e recém saídos de internações asilares ou prisões. O CTI se propõe a dar o tratamento necessário durante a transição do paciente das instituições médicas para a vida em comunidade e este processo é feito no prazo de 9 meses nos quais o paciente e seu agenciador responsável passam por 3 fases para a readaptação.

A primeira fase é a de transição para a comunidade, na qual o agenciador  busca o suporte necessário para a inserção comunitária do paciente, como um apartamento e recursos médico-financeiros. Na segunda fase, de experimentação, o agenciador põe em prática o planejamento feito junto com o  paciente. É uma fase de teste e adaptação do sistema de suporte planejado anteriormente, questões como o local do tratamento psiquiátrico continuado, manejo dos medicamentos, alimentação e a capacidade de gerenciamento cotidiano do paciente vão se ajustando. Por fim, chega a fase de transferência do cuidado que completa a inserção do paciente. O agenciador rompe seu vínculo com o paciente e então é feita uma comemoração na qual é concedido um diploma de fim de programa a ele. Segundo Maria, esta intervenção foi testada pelo OMH através de estudos controlados e se mostrou eficaz na diminuição das situações de volta para as ruas e uso de drogas e no aumento da adesão ao tratamento médico.

Comparando a situação americana com a brasileira, a pesquisadora apontou que no Brasil a assistência psiquiátrica em saúde mental sofreu muitas transformações positivas nos últimos 20 anos com a mudança do tratamento basicamente hospitalar e ambulatorial para a assistência focada na comunidade. Um exemplo de projeto implantado neste sentido são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), unidades de atendimento intensivo e diário para portadores de doenças mentais que  permitem o convívio familiar e comunitário dos pacientes, pois não realizam internações.

Porém, os CAPs têm suas limitações e deficiências. Dentre elas Maria ressaltou a dificuldade de conciliar o tratamento “intra-CAP” com o externo que o paciente deve receber em casa. “É necessário um trabalho de articulação dos CAPs com os outros territórios que o paciente habita, como escola, trabalho, família e outros serviços de saúde e esse trabalho dificilmente poderia ser realizado só pelos profissionais dos CAPS” disse a pesquisadora sugerindo a aproximação das equipes do Programa Saúde da Família (PSF) com os CAPs, pela qual os últimos atenderiam apenas casos mais graves e o primeiro se ateria a atuação na comunidade.

— Os CAPs estão funcionando como um ambulatório onde os pacientes vão, entram na fila, pegam o remédio e vão embora — disse Maria também apontando o problema de existirem médicos generalistas e psiquiatras que não se envolvem com as equipes do CAP do qual faz parte e apenas passam algumas horas no trabalho.

A pesquisadora indicou a possibilidade de se reformular e adaptar o programa americano CTI para as condições do Brasil como uma alternativa de assistência de saúde mental paralela aos CAPs e deixou uma pergunta em aberto aos profissionais de sua área: “Temos mostrado grande competência em fazer avançar os dispositivos de saúde, mas teremos competência em fazer a nossa parte em termos de oferecer hospitalidade e nos deixar hospedar por aqueles que encontramos ao longo desse processo e da vida?”.