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Teste CAMCOG: eficaz para o idoso brasileiro?

O Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB) recebeu hoje (5/09) em sua sessão de estudos semanal a psicóloga com atuação em neuropsicologia do Ambulatório Centro Integrado da Pessoa Idosa (CIPI) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Irene de Freitas Henriques Moreira, que apresentou sua pesquisa de mestrado Avaliação Cognitiva em idosos normais de baixa escolaridade: dados normativos do CAMCOG, na qual é feita uma análise do teste de avaliação cognitiva Cambridge Cognitive Examination (CAMCOG), atualmente o mais aplicado em idosos para verificar a presença de alguma demência em estágio inicial, como o Alzheimer. Irene verificou que o teste inglês não é adequado à realidade de baixa escolaridade brasileira.

A demência é uma síndrome que apresenta como características principais o esquecimento ou problemas com a memória, problemas de comportamento e perda das habilidades funcionais adquiridas durante a vida, como, por exemplo, dirigir, vestir-se, gerenciar vida financeira, cozinhar e orientar-se espacial e temporalmente. Quanto mais avançada a idade, maiores são as chances de surgir a demência. “A possibilidade de surgirem demências dobram a cada 5 anos após os 65 anos e são maiores entre as mulheres e inversamente proporcionais à educação” disse Irene.

Hoje há cerca de 15 milhões de pessoas acima de 60 anos no Brasil e grande parte delas possui baixa escolaridade. Segundo o Instituo brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 49% da população idosa do país é analfabeta funcional e 23% declaram não saber ler ou escrever. Irene explicou que a avaliação psico-cognitiva em idosos é problemática devido à escolaridade. “Sabemos que analfabetismo e  baixa escolaridade têm uma  relação com o mau desempenho em testes. A realidade sócio-cultural da gente é completamente diferente da realidade sócio-cultural de onde foram criados os testes que a gente utiliza” declarou a psicóloga.

O CAMCOG é feito através de uma entrevista estruturada de 60 itens com duração de 30 mim na qual o paciente deve responder a perguntas sobre orientação temporal e espacial, como “Que dia é hoje?”, “Qual estação do ano estamos?”, “O que está a sua direita?”; nomear figuras que lhe são apresentadas, como triângulos e círculos; demonstrar fluência verbal e escrita espontânea; copiar desenhos, como o  de uma casa em três dimensões; desenhar um relógio de ponteiros indicando um horário que lhe é pedido e evocar memória de algo que lhe é solicitado, como um endereço.

Segundo os critérios do teste, o paciente com pontuação inferior a 107 pontos pode ser diagnosticado com demência, porém o teste estabelece como índice de baixa escolaridade aquela inferior ou igual a 8 anos, enquanto que no Brasil este índice está muito acima da média populacional. “Aqui, quem tem a partir de 8 anos de escolaridade está muito bem: a grande maioria tem muito menos do que isso, abaixo  de 4 anos. Os pontos de corte que a gente importa junto com os testes são completamente inadequados a nossa população e com isso a gente vai tendo uma carência de instrumentos validados para avaliar a nossa população de idosos” revelou Irene.

Segundo a pesquisadora, no Brasil, o baixo desempenho nos testes não necessariamente é indicador de demência, mas sim resultado da baixa escolaridade e da qualidade da educação. “Em 2003, 1914 idosos brasileiros com idade maior ou igual a 65 anos foram submetidos ao CAMCOG e verificou-se que ele não é um teste fácil demais, ninguém atingiu o total de pontos. Ao mesmo tempo que ele é difícil para a pessoa com baixa escolaridade, é muito fácil para a pessoa com alto nível de escolaridade. Então o diagnóstico  não tem como ser feito” disse a psicóloga.

Em sua pesquisa, Irene se propôs a determinar o desempenho cognitivo de idosos normais, sem demência, com baixa escolaridade através da versão revisada e adaptada em português do CAMCOG para verificar a sua eficiência. Para isto a psicóloga submeteu ao teste 206 idosos normais com idade igual ou superior a 65 anos do CIPI, um convênio da  UERJ com o Ministério da Saúde situado na Policlínica Piquet Carneiro, Rio de Janeiro, no período de abril a julho de 2002. Foi realizado um amplo questionário sócio-demográfico, além de exames físicos e análise da ficha médica dos indivíduos analisados para que eles fossem enquadrados na categoria de normais. Esta amostra foi dividida por faixas etárias e escolaridade baixa e alta para que se pudesse comparar o desempenho dos idosos com mais eficiência.

O resultado foi o já esperado pela pesquisadora: quanto maior a escolaridade e renda dos idosos, maior era o desempenho no teste. Se aplicados os critérios do teste, mais de 50% da mostra de idosos normais analisados seriam considerados portadores de demência. Porém, Irene admitiu que sua pesquisa não é totalmente fechada e pode abrir espaço para falhas devido ao pequeno número de indivíduos analisados e à falta de exames complementares na avaliação diagnóstica da amostra.

— O que eu fiz foi apenas uma fotografia de uma situação, mas a gente precisa saber exatamente como avaliar melhor uma mostra. Acredito que no dia que tivermos testes realmente adaptados para estas populações, com questões que estejam realmente avaliando os domínios cognitivos desta população, a gente vai conseguir resultados mais interessantes para o acompanhamento dos pacientes — disse a psicóloga que acredita que estudos posteriores que analisem a relação do CAMCOG com a escolaridade e idade são necessários e imprescindíveis para verificar a eficácia deste teste em populações idosas heterogêneas.