O Instituto de Psicologia da UFRJ iniciou nessa segunda-feira (25/08) sua V Semana de Psicologia, evento organizado por alunos em parceria com a coordenação da escola e a empresa júnior de psicologia, Insight. Durante a semana serão realizadas diversas palestras com profissionais de diferentes áreas de pesquisa e atuação da área. O encontro teve início com uma aula magna de tema Psicanálise e Sexualidade proferida pelo professor e psicanalista Joel Birman.
Joel fez uma ampla leitura histórica dos últimos séculos para nela inscrever a questão da sexualidade pelos olhos da psicanálise. Tomando por ponto de partida os anos 60 e 70 do século XX, o professor identificou na descoberta dos meios anticoncepcionais seguros a possibilidade da separação da idéia de reprodução presente na experiência sexual da dimensão do desejo. “Após a criação deste operador técnico, foi possível separar sexualidade e reprodução. De certa maneira, posso dizer que o movimento feminista não teria tido a mesma extensão se não houvesse essa mudança".
Segundo Joel, antes do desenvolvimento de meios contraceptivos eficazes, como a pílula anticoncepcional, a mulher era totalmente ligada à maternidade. Do século XVI até a virada para o século XX, o sexo legitimado pela sociedade e pelo poder vigente, Igreja e cristianismo, era identificado com a idéia de reprodução e família. No século XIX, nascimento da psicanálise, surge também a sexologia, ciência que buscava fundamentar as condições específicas para a melhor forma de reprodução. “A saúde da reprodução ganha espaço e entra a questão da biopolítica, pela qual a riqueza de uma nação deixa de ser medida por territórios e bens e passa a ser estipulada pela qualidade de vida da população. Esse discurso se mantém atual e vigente hoje no chamado índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Organização das Nações Unidas (ONU)” disse o professor.
A fim de atender aos novos critérios de riqueza, o século XIX sofre uma “medicalização” do espaço social e o ensino, antes restrito às elites, passa a ser obrigatório. O psicanalista contou que a infância também passa por profundas transformações. “Se constrói um lugar privilegiado para a infância. A infância é uma criação do século XIX” revelou Joel dizendo que antes as crianças não recebiam nenhum cuidado ou atenção especial, eram tratados como “pequenos adultos”. “Não havia lugares estipulados para elas na casa, a geografia doméstica permitia uma certa promiscuidade entre adultos e crianças” completou.
Surge então a idéia de que a criança é o futuro e de condensa o capital simbólico de uma geração. Desta forma a família se reestrutura de modo nuclear (pai, mãe e filhos) e a mulher passa a ocupar um importante lugar, o de gestora doméstica da família. “A exigência feita aos pais era que se sacrificassem pelos filhos. Por conta disto se reforça uma concepção católica cristã da conjugalidade, a estrutura familiar monogâmica ganha muita importância. Se separar era um crime lesa majestade” comentou Joel.
— As mulheres pagaram um preço mais caro dentro deste novo modelo biopolítico, elas tiveram que se sacrificar eroticamente, enquanto os homens tinham a sua disposição uma rede de bordéis de luxo aceitos socialmente — contou o psicanalista.
Esta dimensão sexual da mulher, que era dividida entre a figura da mãe e dona de casa comportada e envelhecida e da prostituta erótica, transformou-se radicalmente no século XX, segundo Joel. “As mulheres saíram de sua condição restritiva de serem mães. Se a mulher era figura pivô doméstica, acontece uma desorganização da família nuclear”.
Com esta mudança da postura feminina diante da sociedade e da família, ocorre também uma transformação do tratamento das crianças. “Certos cuidados fundamentais das crianças, antes realizados pelas mães, passaram a ser outorgados para as instituições de ensino. Cresce o número de escolas e creches e as crianças cada vez mais cedo ingressam nestas instituições”, afirma o psicanalista.
— Com a mulher desejando outras coisas que não a maternidade, criaram-se outros modos de articulação conjugal. As pessoas passaram a se unir umas as outras pela satisfação no nível erótico e pelo fato do companheiro ser um promotor social e não um obstáculo — disse Joel sobre os novos laços sociais caracterizados pela mobilidade e flexibilidade.
O psicanalista identificou nesta dinâmica social, própria dos dias atuais e tão comum, alguns efeitos: “ Um primeiro efeito é a perca do estatuto de majestade dado às criança. As crianças não tem mais o mesmo destaque que antes, hoje são consideradas um peso para os pais, um obstáculo para o projeto individual e por isso cada vez menos as mulheres têm filhos. A criança hoje foi transformada em objeto de predação sexual, cresce no mundo todo a pedofilia”.
Um segundo efeito apontado por Joel é o aumento do número de casos de autismo: “Independente de qualquer dimensão genética que o autismo possa ter, ele é uma conseqüência desta nova consideração da subjetividade”.
Por fim, Joel Birman apontou como um terceiro efeito da nova estrutura familiar as doenças psíquicas contemporâneas, tais quais síndrome do pânico, a depressão e todas as patologias chamadas borderlines, aquelas em que o paciente está na fronteira entre a neurose e a psicose, como nos transtornos alimentares e adicções.