Categorias
Memória

Conferência analisa a relação entre pesquisa e saúde

 A discussão sobre como melhorar o acesso da sociedade aos frutos das pesquisas em ciência e tecnologia é uma pauta cada vez mais recorrente nos setores envolvidos na produção do conhecimento. Na última sexta-feira, 1 de agosto, o assunto rendeu uma conferência, parte do Ciclo de Conferências Vesalius, retomado pelo Programa de Ciências Morfológicas do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB/UFRJ). Atendendo ao convite de Roberto Lent, diretor do ICB, Reinaldo Guimarães, Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, realizou a palestra “Ciência, Tecnologia, Sociedade e Saúde Pública”, no evento que contou com a presença e participação de diversos professores do Centro de Ciências da Saúde (CCS/UFRJ).

Fiel à proposta da série Vesalius de falar de tudo, menos da prática médica e científica do dia-a-dia, Guimarães optou por avaliar a relação entre sociedade e produção tecnológica, em uma abordagem ampla. Para começar a pensar sobre o tema, o secretário, formado pela Faculdade de Medicina da UFRJ, descreveu um panorama histórico dessa relação. “Para mim, esse é um assunto extremamente relevante para compreendermos uma série de coisas que estão acontecendo hoje e faz falta na formação médica, de uma maneira geral”, comentou o médico.

De acordo com Guimarães, nem sempre a situação de saúde da população foi um problema significativo e a ser discutido como um assunto relevante na sociedade. “Cuidar da saúde individual é algo extremamente antigo, datada desde a Grécia clássica. A saúde pública, contudo, passa a ser um tema importante quando ela se constituiu como uma política de Estado, durante a primeira Revolução Industrial”, expôs o professor, que descreveu o conceito de Polícia Médica, introduzido na Alemanha pela escola do Cameralismo, com o sanitarista Johann Peter Frank à frente do processo. O médico citou ainda a Medicina Social da Segunda Revolução Industrial e, mais recentemente, o estado de bem-estar social, introduzido na Inglaterra em meados do século XX e que faz do sistema de saúde britânico uma referência até hoje.

Ainda do ponto de vista histórico, Reinaldo Guimarães ressaltou que, mesmo com o início da preocupação com a saúde pública a partir do século XVIII, os resultados mais práticos, indicados na queda da mortalidade nos Estados Unidos, só começam a ser observados durante o século XX. Isso pode significar uma ineficácia das ações durante essa época, de acordo com o professor.

Além disso, a própria pesquisa em saúde demorou um pouco para se preocupar mais diretamente com as questões da saúde da população. “A pesquisa em saúde como tema importante para o bem-estar da população começa a ocorrer a partir da segunda metade do século XIX”, explicou Guimarães, citando nomes como Louis Pasteur, na Europa e Oswaldo Cruz, mais tarde, no Brasil. “Esses são nomes ligados ao conjunto de pessoas que acabaram com a teoria dos miasmas e compreenderam o papel da infecção, por exemplo. Esse foi o momento em que, efetivamente, a pesquisa em saúde começou a se preocupar mais diretamente com o estado de saúde”, comentou.

Pesquisa e saúde

Para Reinaldo Guimarães, que considera que a pesquisa aplicada é cada vez mais valorizada no meio científico, é preciso responder à pergunta: afinal, a existência de intervenções cada vez mais sólidas em pesquisa aplicada, por si só, é capaz de garantir bom estado de saúde da população? A resposta é complexa. Segundo o professor, diversas mediações entre o conhecimento novo e a aplicação são marcantes no processo da pesquisa aplicada. Essas mediações podem ser divididas em três momentos: criação, transferência e acesso.

Esses três momentos, portanto, são passíveis de falhas, que foram objeto de estudo de uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), citado por Reinaldo Guimarães. A pesquisa propôs que três falhas básicas podem ocorrer durante o processo. A primeira delas corresponde às falhas da ciência, vinculadas ao primeiro momento. As falhas de saúde pública e de mercado correspondem, respectivamente aos momentos de transferência e acesso.

— As falhas de mercado são aquelas mais significativas. Correspondem ao constrangimento mais importante que impede que essa cadeia seja eficaz. O altíssimo custo dos medicamentos novos faz com que o acesso seja muito difícil — avaliou Guimarães, lembrando de um exemplo marcante. “Recentemente foi lançada uma vacina muito importante e eficaz contra o vírus causador do câncer de colo de útero (HPV). Essa vacina foi lançada no mundo inteiro, mas uma única aplicação custa quase US$ 1000. Isso, evidentemente, inviabiliza o funcionamento do sistema. Não adianta ter toda uma tecnologia e produção de conhecimento sem que o acesso seja viabilizado”, pondera o professor.

O secretário encerrou a conferência com a emblemática imagem que ficou conhecida de todos os cariocas, principalmente durante o último verão: a fêmea do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue. “Enquanto ficamos falando em modernidade e produção científica e tecnológica, esquecemos que ainda existem esses remanescentes, que ainda fazem parte do cotidiano e da realidade do brasileiro”, finalizou Reinaldo Guimarães.