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Memória

Edgar Morin questiona fragmentação do saber

 “Temos em nós toda a história do universo”. Uma curta afirmação com infindáveis implicações, pronunciada entre muitas outras reflexões feitas por Edgar Morin, um dos mais instigantes pensadores contemporâneos, em palestra realizada no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), dia 7 de julho.
Promovido em conjunto pelo Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (EICOS), do Instituto de Psicologia, e o Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do IFCS, o encontro com pesquisador emérito do Centre National de la Recherche Scientifique (CRNS), permitiu um rápido olhar sobre algumas de suas concepções. Um dos principais responsáveis pela epistemologia da Complexidade, Morin é um crítico contundente da fragmentação do conhecimento imposta pela racionalidade do método científico adotado com a modernidade. Ao perseguir a idéia de superar os compartimentos impostos pela disciplinarização, o pensador francês freqüenta áreas que vão da biologia à história, da antropologia à filosofia, da sociologia à literatura, da cibernética às artes, tecendo uma visão integrada para a compreensão da relação homem/natureza.

“Ele nos propõe uma mudança na forma pensar, buscando alcançar a complexidade do real”, assinalou o professor Jean Mário, que deu as boas vindas em nome da direção do IFCS ao convidado.

A coordenadora do Programa EICOS, Marta Irving, também enfatizou na abertura da palestra, a dimensão precursora da vasta obra de Edgar Morin, que em livros como “O Paradigma Perdido”, lança as bases para compreensão da relação entre a sociedade e a natureza, sem alimentar-se da falsa oposição entre as duas. O próprio autor observa “que a chave da cultura se encontra na nossa natureza e que a chave da nossa natureza se encontra na cultura”. Marta lembrou na oportunidade, que Morin faz aniversário neste dia 8 de julho, e que o convívio com este pensador permite nele reconhecer “um homem simples e dedicado a construção de uma sociedade mais humana e mais solidária”.

Um pensamento planetário

Com o Salão Nobre do IFCS lotado, Edgar Morin procurou falar em português, sem esconder alguns termos costurados com o espanhol e o francês. Foi taxativo, ao sublinhar que a ciência moderna provocou uma separação arbitrária entre as identidades biológica e cultural constitutivas do ser humano. Morin argumenta em suas publicações que somos fruto de um processo de “hominização”, considerada não apenas uma evolução biológica, espiritual ou sócio-cultural, mas uma morfogênese complexa e multidimensional resultante de interferências genéticas, ecológicas, cerebrais, sociais e culturais.

A dimensão de inserção planetária do ser humano se afirma no próprio âmago de sua constituição, “em que as células de nosso corpo são descendentes das primeiras células existentes na Terra, oriundas de substâncias que não eram especialmente dedicadas à vida, mas sim as mesmas substâncias que se encontram na natureza, há milhões de anos”. Daí a afirmação de Edgar que temos em nós a história do universo.

Morin faz, a partir destas considerações iniciais, uma breve retrospectiva do processo de constituição das sociedades, distinguindo-as entre arcaicas e históricas. Assinala, por exemplo, que enquanto na sociedade Asteca, sacrifícios eram praticados para assegurar a “regeneração do Sol”, numa intricada relação homem/natureza, o cristianismo produz, nas páginas do Evangelho, uma primeira e nítida separação entre o corpo e a alma, ao afirmar que os animais não a têm, e portanto não podem vir a ressuscitar.

A disjunção mais intensa e decisiva, porém, entre espírito e natureza, filosofia e ciência, se processa com o advento do Renascimento e em idéias de pensadores que se tornaram hegemônicas, como as de Galileu e Descartes. A natureza passa a ser objeto de domínio das várias especializações em que o saber científico da modernidade se fracionou. O divórcio entre o homem e a natureza se amplia, produzindo graves problemas sociais e ambientais.

Morin, ao fim de sua palestra, defende alternativas que promovam a religação entre o homem e natureza, dentro de uma concepção ecológica, onde fica claro a interdependência vital entre os seres e a biosfera. Crítico das várias agressões ambientais e sociais praticadas pelos modos de produção engendrados pelas formações sociais modernas, Morin afirma que é importante mudar a forma de conceber o conhecimento, buscando soluções para os problemas segundo seus contextos históricos, sociais, econômicos e valorizando a solidariedade e a liberdade humanas.