O Projeto Conexão de Saberes – diálogos entre a universidade e as comunidades populares – realizou nessa terça (17/06) a discussão do tema “As diferentes formas de violência nos espaços populares”, como parte do projeto Terças de Diálogo.
O debate contou com a participação de Miriam Guindani, professora da Escola de Serviço Social da UFRJ e diretora da Divisão de Integração Universidade Comunidade (DIURC), Raquel Wilardino, coordenadora do Setor de Direitos Humanos do Observatório das Favelas, Flávia Souza, estudante do curso de bacharelado em dança da UFRJ e bolsista do projeto Conexão de Saberes, mas o ponto alto ficou por conta de Marcelo Freixo, professor de história e Deputado Federal do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
A discussão foi bem abrangente, com convidados abordando temas atuais e pertinentes. A mesa foi iniciada pelo Deputado Federal, que mencionou as diversas formas da relação Estado – Sociedade que caracterizariam formas de violência nos espaços populares: o varejo da droga ocupando os espaços da favela, grupos de extermínio, educação pública que não funciona, situação atual da saúde pública, entre outras. No entanto, o discurso do deputado foi baseado no polêmico caso do Morro da Providência, em que três jovens foram “vendidos” pelo Exército, que acompanhava obras públicas no local, à uma facção inimiga, e executados.
Marcelo Freixo analisou esse caso, para se pensar em várias formas de violência que aconteceram concretamente ali. De acordo com ele, aprovou-se uma emenda individual do senador Marcelo Crivella, para que o governo federal gastasse cerca de R$12 milhões com a reforma de casas no Morro da Providência. Essas emendas individuais, segundo Marcelo Freixo, viram barganha: “o governo compra os deputados aprovando as suas emendas”. Outra crítica feita por ele, é de que as obras são realizadas na cidade em que o senador é candidato a prefeito, e logo serviriam de vitrine eleitoral, usando dinheiro público.
Marcelo Freixo ainda questiona o fato de o Exército garantir a realização da obra, o que não seria função da Instituição. A partir daí, o deputado levanta hipóteses que implicaram nessa ação do Exército, como a igualdade de partido político de Crivella e do vice-presidente da República, que também fora ministro da Defesa, responsável pelo Exército.
– Resultado desse conjunto de barbaridades: um Exército despreparado, marcado pela corrupção e pela violência chega à barbárie de absorver práticas que estão disseminadas no que há de pior da Polícia Militar. Não foi o Exército que inventou essa história de vender alguém para facções rivais. Essa prática já existe há alguns anos, feita pela Polícia Militar do Rio de Janeiro – completa o deputado, que enfatiza tudo isso como formas de violência.
“O Rio de Janeiro está em guerra”
Segundo Marcelo Freixo, quem está na guerra pode matar, ou pode morrer. O deputado acredita que esse é o ponto central que as comunidades populares vêm sofrendo: a aceitação da lógica de que o Rio está em guerra.
– Quando você faz essa construção ideológica, você permite que os agentes de segurança tenham direito sobre a sua vida. Matar na favela é mais do que um direito, é um dever. Quando uma política de governo permite que a polícia tenha o direito de matar, permite também que a vida possa ser negociada – afirma Marcelo.
O professor de história criticou o modelo de policiamento e segurança do Governo Estadual, trazendo o questionamento do que seria um local seguro.
– O que é o lugar da segurança? É o lugar que tem muita polícia? Não. Uma pessoa com segurança poderia ser uma pessoa que tem acesso a uma educação pública de qualidade, a uma saúde pública com qualidade, que tenha moradia, acesso a cultura, à política de primeiro emprego. O lugar seguro ou uma política de segurança, se fosse séria, não passaria pela polícia. Eu sempre brinco dizendo que segurança é uma coisa tão séria, que não pode ser caso de polícia. Nossa luta política deve ser uma luta pedagógica.
Marcelo acredita ainda que as facções nascem no sistema penitenciário, e não representam o crime organizado. "O crime organizado não está na favela, está na ALERJ. Na favela há um crime desorganizado".
Segundo o deputado, hoje só é possível discutir e entender a dimensão da criminalização da pobreza, se acrescentar um debate sobre a criminalização da política. "A maior bancada hoje que existe na Assembléia Legislativa não é a bancada dos evangélicos, nem dos donos de escolas particulares ou planos de saúde. A maior bancada é a de Deputados envolvidos em atividades criminosas”.
– Essa sincronia entre o processo de criminalização da política e de criminalização da pobreza, fazendo com que Executivo, o Legislativo e o Judiciário operem para interesses privados, tem ligação direta com a barbárie de cada dia, que esta colocada ano Rio de Janeiro – conclui o deputado.
A mesa de debates seguiu com Raquel Wilardino, coordenadora do Setor de Direitos Humanos do Observatório das Favelas. Raquel expôs a pretensão de se pensar no espaço popular, favela e periferia, como espaços de diversidade, com dinâmicas muito próprias: histórias de vida dos moradores, redes sociais que cada um estabelece.
– A grande utopia do Observatório de Favelas é contribuir para a construção de um projeto de cidade onde se reconheça e se respeite as diferenças. Pensar a cidade como um local de encontro dessas diferenças e do exercício de direitos por todo e qualquer cidadão – pontua Raquel.
A coordenadora do Setor de Direitos Humanos do Observatório, ainda falou da lógica da cidade partida, em que há uma forte divisão entre favela e asfalto, e um olhar muito carregado de estigmas e esteriótipos voltado para favela. Segundo Raquel, as favelas são apresentadas pela mídia como uma grande ameaça.
Segundo ela, as principais vítimas da violência são jovens, essencialmente homens, negros, moradores de favelas e periferias dos grandes centros urbanos. "Estamos perdendo os nossos jovens para a morte violenta". Ela acredita ainda que a criminalização da pobreza está associada, além da lógica da cidade partida, a uma hierarquização do próprio valor da vida. Além disso, Raquel comenta o movimento das classes mais altas:
– O que se percebe é um movimento de auto-segregação das classes altas, na lógica dos carros blindados, condomínios fechados, e da proliferação das grades, o que não deixa de ser uma violência muito contundente em relação ao outro. Quando se tem essas necessidades, está se radicalizando essas diferenças.
Raquel Willardino ainda criticou o tratamento que se dá aos moradores das favelas como potencialmente criminosos, e as políticas públicas equivocadas e verticais, que não consideram as opiniões dos moradores, ignorando a participação dos mesmos na formulação das políticas.
Em seguida, a estudante Flávia Souza tratou da "Violência Simbólica Racial", citando casos particulares de comportamentos preconceituosos ao afro-descendente, e mencionando dados estatísticos que comprovam que ainda não há igualdade nas diferentes raças.
Miriam Guindani, professora da Escola de Serviço Social da UFRJ e Diretora da DIURC, conclui o debate, retomando os principais pontos de cada apresentação, e comentando alguns pontos das falas de Marcelo Freixo e Raquel Willardino.