Quem passou pelo Fórum de Ciência e Cultura (Av. Pasteur, 250, Campus da Praia Vermelha/UFRJ) nesta segunda-feira, dia 16 de junho, provavelmente se surpreendeu ao encontrar pelo chão papéis com citações de famosos artistas sobre nossas formas de expressão. “A linguagem e a vida são uma coisa só” (Guimarães Rosa) e as outras frases que marcavam o caminho até o Salão Pedro Calmon foram apenas uma das diversas formas que as organizadoras do IV Fórum de Linguagem encontraram para provocar a discussão sobre o cuidado e linguagem no tratamento dos usuários dos serviços de saúde.
— A principal questão é que as pessoas privilegiam, ou pela necessidade ou pelo tempo, o procedimento clínico e o diagnóstico. Sem dar tempo de escuta à queixa do paciente ou àquilo que ele traz sem ser o enunciado —, ressaltou Cláudia Drummond, uma das organizadoras do evento. O evento, também coordenado pelas professoras Vânia Pavão e Mônica Rocha, contou também com outros “disparadores” do debate.
A artista plástica Pillar Rocha apresentou duas de suas esculturas em gesso, “é uma espécie de rastro ou vestígio da pessoa que entra nos moldes do material, que deixa para trás de si uma casca. Ela entra em conflito com a idéia do corpo como apenas o portador de uma doença”, explicou a obra, cujo processo de criação foi mostrado em vídeo.
A professora Lydia Becker, também do Instituto de Fonoaudiologia da UFRJ, trabalhou uma performance cênica com três de suas alunas. Nela, era simulada uma consulta de uma menina, acompanhada de sua mãe, com uma pediatra e seus internos. A médica devia lidar com os diferentes registros de linguagem de forma a suprir as necessidades de todos os presentes.
Encenação: como lidar com as diferentes subjetividades na clínica?
A pediatra, porta o conhecimento científico, adapta sua forma de falar para deixar a criança confortável na consulta enquanto explica aos seus alunos o que ela faz, recheando suas frases de termos técnicos. Ela vai direto à avaliação da saúde da criança, sem tomar seu tempo para ouvir o que a mãe tinha a dizer. A responsável da paciente, por sua vez, também não toma grandes cuidados, já que não traz os papéis das outras consultas inconclusivas pelas quais passara, só um papel amassado em que se encontra o nome de uma doença que ela não entende.
A funcionária se limita a dizer que não há nada de grave com a criança, apesar dos avisos da mãe. Ela não explica o que seria a doença cujo nome está rabiscado no papel e simplesmente detalha o diagnóstico e seus remédios na receita em sua mesa, sem sequer conversar sobre eles. Ao fim da peça, enquanto a médica agenda uma nova consulta para daqui a três meses, a mãe resgata a folha amassada que a doutora jogara na mesa, provavelmente para utilizá-la na consulta com a próxima pediatra.
— As diferenças de enquadre e esquemas de conhecimento geram dificuldades de comunicação. Dentro do enfoque deste fórum, acreditamos que essa ação nos leva à reflexão do que significa cuidado na área de saúde. Será que o atendimento foi satisfatório para todas suas partes? —, questiona Lydia Becker.
Mesas de trabalho
Feitas as provocações, os presentes se dividiram em três mesas de trabalho, cada qual com um coordenador, em que todos podem se manifestar à vontade. A chefiada por Laura Feuerwerker (professora colaboradora da UFRJ de fonoaudiologia), iniciou a discussão sobre o choque entre os primeiros períodos do curso de Fonoaudiologia, passados quase que exclusivamente trabalhando a parte teórica, e os dois últimos, que se focam no ambulatório. “Temos que demonstrar segurança logo quando estamos mais inseguros, senão os pacientes acabam não seguindo o tratamento”, declarou uma das alunas presentes.
— Toda situação de demanda de cuidado supõe uma diferença nas relações de poder. Será que a melhor maneira de realizar uma consulta é simplesmente transferir responsabilidades? — provocou Eduardo Passos psicólogo da UFF e coordenador de outra mesa.
Já Túlio Franco, também psicólogo da UFF e coordenador da terceira mesa, incentivou a discussão lembrando que a posição do funcionário da saúde advém da idéia socialmente construída de que o saber científico vale mais do que o adquirido pelos pais na convivência com seus filhos. De acordo com ele, podemos recuperar esse conhecimento para tentar operar no usuário do sistema de saúde uma potência de vida.
À tarde, os coordenadores dos diferentes grupos se reuniram para apresentar e debater o que foi coletado. “Esperamos com isso, trazer um espaço de reflexão aos alunos. O Fórum representa uma tendência do nosso curso, que é a de se afastar da forma mecanicista e unilateral de cuidado, na qual só o saber do médico tem valor”, explicou Cláudia Drummond.