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Violência doméstica contra a criança e o adolescente

 Fruto de uma parceria entre a Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ) e a UFRJ, o Seminário Dinâmica Familiar e a Violência Doméstica contra a Criança e o Adolescente foi realizado a partir das 8 horas do dia 25 de abril, no auditório Pedro Calmon do campus universitário da Praia Vermelha.

— O evento não foi proposto devido à tragédia que ocorreu com Isabella Nardoni. Milhares de situações de violência com crianças ocorrem no Brasil e há necessidade de compartilhar experiências para combater esse problema -, explicou Elisabeth Castro, curadora do Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ.

A presidente da SOPERJ, Maria de Fátima Goulart Coutinho, ressaltou a importância do encontro: “Podemos identificar sinais para trabalhar na prevenção da violência, ao invés de tentar remedia-la mais tarde”.

A mesa de abertura ainda contou com a presença do professor Denílson Lopes, superintendente de Difusão Cultural do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, e da diretora do comitê de segurança da SOPERJ, Anna Thereza Soares de Moura.

A criança e a nova família

A palestra que deu início ao evento tratou do tema A Criança e os Diferentes Modelos Familiares e foi proferida pelo psiquiatra Roberto Santoro, presidente do Comitê de Saúde Mental da SOPERJ. “Será que a violência é inerente ao ser humano? Diversos teóricos acham que sim, Freud falava da pulsão de morte, por exemplo. Acho que eles esquecem da ética e do poder de escolha”, indagou.

— A violência familiar é heterogênea. A maioria dos casos acontece por negligência (com cerca de 60% de incidência). A agressão física fica com algo em torno de 30%, a agressão sexual fica com um valor bem menor. Ainda temos outras formas, como mães que simulam no filho sintomas de alguma doença, chegando até injetar fezes -, esclareceu Santoro.

O psiquiatra explicou que hoje o modelo familiar se tornou mais complexo do que aquele da família nuclear composta por pai, mãe e filhos. “Com os movimentos feministas e da liberação sexual, começamos a ver em maior número diferentes arranjos, como as famílias monoparentais e os casais homossexuais com filhos”, disse.

Ele também observou que a situação se complexifica quando os pais separados compõem novas famílias. “É interessante notar que as meninas sofrem mais com essa configuração, enquanto os filhos costumam ter problemas maiores com as monoparentais. No caso deles, a dificuldade se explica pelo maior número de mulheres como o provedor nesse tipo de família. Geralmente, eles têm dificuldade de encontrar um modelo masculino para seguir”, afirmou.

Para o especialista, essas dificuldades podem ser fatores de risco para que a pessoa se torne violenta. “Mas uma das influências principais é ainda de quem sofre violência doméstica na infância. Ainda assim, muitas pessoas conseguem superar essas experiências traumáticas”, apontou.

O contexto familiar

A primeira mesa redonda do evento tratou do tema Conhecendo o contexto familiar nas situações de violência doméstica contra a criança e o adolescente. Ela foi composta pelos doutores Mário Marques, Simone de Gonçalves Assis e Mônica Alegre. 

O primeiro médico propôs uma visão mais ampla ao se identificar os fatores de risco e proteção na violência familiar. “É preciso levar em consideração não só a família imediata da criança, mas também sua família estendida, seu círculos de convivência (escola, igreja, entre outros) e até a própria cultura na qual ela se insere”.

Para ele, os maus tratos e o desconhecimento quanto às possibilidades da criança conforme seu crescimento seriam algumas das principais razões para o desentendimento dentro de uma família. “Um meio social violento e a supervalorização do consumo são fatores mais globais que também entram no conjunto do que influencia nesse quadro”, afirmou.

Entre os fatores de promoção da proteção, o médico evidenciou a criação de vínculos afetivos entre os parentes e as relações sociais como algumas das influências mais diretas. “É importante favorecer a construção do afeto entre os pais e filhos desde o começo, disponibilizando serviço de pré-natal e permitindo que o pai acompanhe o parto, por exemplo. Induzir a socialização em uma comunidade e facilitar o acesso a sedes de apoio são outras formas de combater o problema”, lembrou.

Já Simone de Assis se focou mais na construção da resiliência (capacidade de superar situações traumáticas, como a da violência doméstica). “A pessoa que recebe mais fatores de proteção do que de risco tende a estar melhor preparada para enfrentar essas adversidades. Elas ainda existem, só que são encaradas melhor”, afirmou.

De acordo com ela, quem é mais comunicativo, se relaciona melhor com amigos e professores e não transgride tanto as normas é mais propenso a lidar melhor com seus problemas. Outro ponto que a médica levantou é que os próprios profissionais da saúde acabam desanimando com seu trabalho. “É preciso que eles acreditem no que estão fazendo para que dê certo”.

A especialista Mônica Alegre abordou como a terapia com a família pode ser utilizada como uma ferramenta para enfrentar a violência contra a criança e o adolescente. “É interessante trabalhar com vários recortes da família e é preciso incluir os ‘autores’ da violência nesse processo, lembrando que os pais geralmente tiveram uma educação diferente nesse tema. É preciso entender; simplesmente identificar culpados não traz resultados, todos são um pouco responsáveis nisso”, ressaltou.

— É preciso pensar a violência como algo que foi sendo construído. Não é só o ato no momento de irritação, mas o estresse com um emprego perdido, o tratamento que o agressor recebeu dos pais, a teimosia dos filhos —, concluiu ela.

Relação com a criança e o adolescente

Encerrando o seminário, Mara Lúcia Moreira, professora da SOPERJ e psicóloga, proferiu a palestra A família disfuncional e sua relação com a criança e o adolescente. Em sua apresentação, foram abordadas as questões de papel, função e constituição atual da família, fatores que, de acordo com ela, devem ser considerados quando se trata do contexto da violência em casa.

— Essa discussão vai servir para pensarmos o que está havendo com o número crescente de violência contra criança e adolescente no meio familiar. O que está acontecendo para a situação de violência doméstica estar hoje (e desde a década de 70) entre as principais causas de mortalidade e morbidade da criança e adolescente? — indagou.

Após definir a família atual como “uma linhagem unida por laços capazes de manter os membros moralmente, materialmente e reciprocamente relacionados", Mara fez uma contraposição entre família funcional e disfuncional. Enquanto na primeira os papéis são definidos, os pais são amorosos e as regras são consistentes e razoáveis, na segunda os pais são autoritários e não há possibilidade de interação ou mudanças de regras.

— A responsabilidade dos pais seria atuar para o desenvolvimento físico e emocional dos filhos, provendo suas necessidades materiais, afetivas e garantindo sua proteção e segurança. No entanto, nas famílias disfuncionais, ou as relações se dão de maneira sindida – em que cada membro vive isolado, sem comunicação ou trocas – ou de forma simbiótica, muito comum na família de psicóticos – em que os membros compartilham experiências como se fossem uma única pessoa.

Ao final da palestra, a professora mostrou alguns pontos que servem como base para uma avaliação da família e explicou que a presença de pelo menos um deles indica características de disfuncionalidade:

— A dependência de álcool ou droga, o comportamento obsessivo ou compulsivo de um dos pais, a violência física, o comportamento sexual inadequado dos pais em relação aos filhos, o relacionamento familiar preso apenas ao cumprimento das regras físicas, não havendo intimidade nem comunicação entre os membros são fatores potenciais para a violência doméstica. Não representam certezas, mas são grandes indícios.