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“Nasci mulher. Meu corpo que era de homem”

O último evento do Centro de Estudos do Instituto de Psiquiatria discutiu o transexualismo, suas ‘causas’ e como o transexual se sente. O encontro aconteceu no auditório Leme Lopes, dia 18 de abril. O tema foi abordado pelo doutor Miguel Chalub, psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da UFRJ e UERJ.

— Escolhi falar sobre isso por trabalhar na área no Hospital Pedro Ernesto da UERJ, o único do Rio de Janeiro a oferecer o serviço de cirurgia de mudança de sexo de graça. A sociedade tem alterado suas visões quanto a esse tipo de assunto, embora isso ainda não seja acompanhado de uma jurisdisprudência adequada – relatou.

O professor apresentou diversas das posições oficiais quanto à definição de transexualismo. Seus pontos principais eram de que a pessoa deve ter desejo declarado de ser do sexo oposto, incluindo a remoção de características primárias e secundárias, não poderia estar sofrendo de “outro transtorno de identidade” (sic), apresentar alguma alteração genética (por exemplo, em cromossomos sexuais) e de que esse estado persista por 2 anos.

De acordo com o especialista, ao fato de que a maioria dessas definições utilizam as palavras “outro transtorno de identidade” mostra como várias dessas definições visualizam o transexualismo.

O psiquiatra lembrou que até pouco tempo atrás não era permitido cirurgias desse tipo no Brasil. “Muitos passavam por cirurgias ilícitas. Felizmente, o Conselho de Medicina liberou uma autorização para que o procedimento pudesse ser realizado a partir dos 21 anos e mantendo-se as condições de persistência durante 2 anos e ausência de transtornos mentais”, esclareceu ele.

Ainda assim, quem passa pelo procedimento sofre dificuldades quanto à mudança de nome e de gênero na identidade. “Uma das defesas é a de que a legislação aceita alterações de nome caso esses sejam ofensivos. Podemos argumentar que uma mulher que tem um nome de homem possa ser lesada por isso”, disse Chalub.

A questão ética também foi outro ponto levantado pelo médico. “A igreja católica afirma que nenhum homem pode possuir a própria origem, nem decidir sua identidade sexual. Ainda assim, acho que essa liberdade deve ser dada para esses pacientes, não acho que seja pecado”, afirmou o professor.

Entre as diversas razões apontadas na literatura, o palestrante destacou que geralmente a mãe ausente ou muito presente, a ausência do pai ou sua brutalidade, influência forte da irmã e até psicose latente são umas das mais comuns. “Não concordo que seja uma psicose. Os defensores dessa tese acreditam que o transexual distorça tanto a realidade que acredite que deva trocar de sexo. Outra hipótese mais interessante é um modelo de seu sexo com características opressivas, já que alguém mais sensível poderia identificar o sexo dessa pessoa como causa de seu comportamento, e por isso querer alterar o seu”, declarou.

—Um fato interessante foi que os homens que se tornaram mulheres aceitaram que eu mostrasse seus vídeos e fotos nesse encontro enquanto as mulheres que mudaram o sexo não tiveram a mesma reação. Mas acredito que seja porque a sociedade já aceite melhor os primeiros -, disse o psiquiatra.

O psiquiatra também apresentou diversos vídeos e fotos de pacientes que passaram pelo processo para demonstrar como a cirurgia evoluiu e como as pessoas se sentem. “Nasci mulher. Meu corpo é que era de homem”, relatou uma de suas pacientes.