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Diálogos com a cultura africana: convivendo com a diversidade

 A disciplina Jornalismo de Políticas Públicas e Sociais, organizada por uma parceria entre a Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência (NETCCON), a Escola de Comunicação (ECO/UFRJ) e a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), promove palestras abertas ao público toda segunda-feira.

A aula da última segunda-feira, dia 7 de abril, de tema Lições Africanas Não-violentas para a Igualdade na Diversidade Humana, faz parte da Semana Martin Luther King, criada pela Associação Palas Athena e apoiada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O evento ocorreu no auditório da CPM, no Campus da Praia Vermelha da UFRJ.

As lições de uma cultura em busca de respeito

O palco recebeu três representantes da consciência da cultura afro-brasileira: Mãe Beata de Iemanjá, a escritora Conceição Evaristo e o diretor do Instituto de Desenvolvimento Cultural (INDEC), Adailton Moreira, filho de sangue de Mãe Beata. A palestra também contou com a presença do organizador da disciplina, Evandro Ouriques.

— A cultura africana é estigmatizada como primitiva; estão nos proibindo de continuar nossas tradições. É a velha idéia de bestializar certas práticas para justificar atitudes de exclusão. Hoje estou aqui, negra, nordestina, semi-analfabeta, e exigindo os nossos direitos e o respeito aos nossos deuses — declarou Mãe Beata.

Ela também repudiou uma série de atos de violência cometidos contra outras culturas. “É errado achar que é natural incendiar índios e derrubar templos por não seguirem a lógica de consumo do capitalismo. Enquanto dispormos de forças, vamos lutar contra essa desigualdade”, reforçou.

De acordo com a também escritora, em sua tradição, o homem sem a natureza não é nada. É preciso aprender a lidar com essas diferenças e pensar o papel de todas essas tradições, que fazem parte da mescla que compõe nossa cultura. “Que Iemanjá os abençoe e que vocês parem para pensar nessas palavras”, exclamou.

Conceição Evaristo destacou que é possível encontrar exemplos para uma melhor compreensão dos nossos problemas a partir da ótica da africaneidade. “Com isso, evitamos a vida de aniquilação do outro e de si mesmo presente em nossa sociedade”, destacou.

Para ela, a idéia difundida em diversas instituições de ensino de que os escravos brasileiros foram dóceis e aceitaram a escravidão precisa ser seriamente reavaliada. “Mesmo se não considerarmos os casos de rebelião clara e violenta, eles não foram inertes ao que sofreram. Se pensarmos no conceito de Foucault dos saberes dominados, percebemos que essas culturas eclodiram de tal forma que é impossível apagá-las na identidade brasileira. Essa foi a ‘ginga’ africana, se movimentando dentro do território do colonizador (um não-lugar para eles), dentro de seu campo de visão, mas conseguindo se estabelecer”, esclareceu.

—O filósofo Walter Benjamin, a partir da Alemanha de seu tempo, declara o narrador (portador da cultura da oralidade) como uma figura que desaparece. Nas sociedades marcadas pelas matrizes africanas, essa morte não aconteceu. Mãe Beata de Iemanjá presentifica esse narrador que Benjamin supusera morto. Ela ainda também mostra a face da eu-narradora, recupera um conteúdo mítico e forma modos ancestrais de se postar no mundo de acordo com uma cosmogonia negra africana e também hibridiza outras vozes do mundo – explicou a escritora. “Ela inaugura na escrita a voz da mãe-de-santo”, complementou.

O diretor do INDEC comemorou a visibilidade que foi proporcionada para essa matriz. “Criamos o INDEC porque a Comunidade Terreiro queria falar por si, tomar um protagonismo. Foi muito importante ter uma figura como a de Mãe Beata para reforçar isso, principalmente porque nossa sociedade é muito machista”, afirmou.

Adailton declarou que parte da capacidade das comunidades africanas de aceitar a diferença se deve à cultura de que o ser deve ser integral, não o indivíduo compartimentado, como acontece em vários casos em nossa sociedade. Ele afirmou também a necessidade de ver o outro não como deficiente, mas sim como diferente.

—Alguém nos disse que nós éramos negros, mas nós construímos um mundo para todos. O mundo mítico e o terreno interagem e dão a possibilidade do sujeito se sentir completo. O cartesianismo leva a fragmentação do ser – disse ele.

—A filosofia ocidental foi marcada pela figura do homem como uma ruptura com a natureza. Os problemas advêm quando perdemos a ligação com essa totalidade da qual fazemos parte; uma prova disso é a crise ambiental — destacou Evandro.

O coordenador também lembrou que esse diálogo ensina sobre a superação das dualidades do ocidente. “Não somos só diversos, mas também iguais. Somos os dois ao mesmo tempo. É preciso deixar de usar os outros, mas sim alavancar-se mutuamente”, declarou.