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Memória

Uma aula mágica

A Aula Magna 2008 foi proferida, no último dia 19 de março, pelo economista e dirigente do MST, João Pedro Stédile. Por duas horas, Stédile encantou os presentes com a contextualização histórica da concentração de terra no Brasil.

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“O MST já se sente em casa nessa universidade”. Foi com essa frase que João Pedro Stédile, economista, ativista social e atual dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), demonstrou a satisfação diante do convite do reitor Aloísio Teixeira para proferir a Aula Magna 2008. O evento, realizado nesta quarta-feira (19), no auditório Roxinho (CCMN), problematizou o tema Terra, saberes e democracia.

Por mais de duas horas, Stédile traçou um histórico da relação do homem brasileiro com a terra e contextualizou as lutas por uma melhor distribuição dos imóveis rurais no país. Para comentar o período pré-colonial, o economista recorreu ao livro O povo brasileiro, no qual Darcy Ribeiro explicita que, na visão do índio, a terra era um bem da natureza pertencente a todos. O modo de produção dos nativos era o comunismo primitivo, organizado de tal forma que sequer o conceito de propriedade coletiva existia.

Com a vinda dos portugueses, explica didaticamente Stédile, chega também o Capitalismo comercial que, além de ter destruído as formas naturais da economia nativa, transformou a terra em monopólio da Coroa Portuguesa. “O Capitalismo não dividiu as terras. Ele apenas implantou a concessão de uso, e a Coroa passou a ceder porções do território aos portugueses que detinham capital suficiente para investir no cultivo. Instaurou-se então o sistema de plantation, pautado na produção voltada ao mercado externo de uma monocultura cultivada em latifúndios e com a utilização de mão-de-obra escrava”, observou.

A partir da implantação da Lei 601/1850, que instituía a terra como uma propriedade privada, e principalmente depois da abolição da escravatura, inicia-se no Brasil uma política de incentivo à imigração que não só trouxe para o país mais de um milhão de imigrantes em um período de trinta anos, como também propiciou o nascimento de uma classe inexistente até então: os camponeses.

Na contramão da maior parte das nações desenvolvidas, que, com o advento do Capitalismo industrial, promoveu reformas agrárias para aumentar o poder de compra do campesinato e aquecer a economia capitalista, as elites brasileiras mantiveram o controle das terras em suas mãos. “Em 1961, Celso Furtado, ministro do Planejamento da época, elegeu a reforma agrária como a saída para a crise do Capitalismo industrial brasileiro. Isso impulsionou o então presidente João Goulart a fazer a lei de reforma agrária que é, até os dias atuais, a legislação mais radical no que tange à terra”, conta João Pedro Stédile, ressaltando que essa lei foi um das medidas que impulsionaram como contra-resposta a articulação do golpe militar de 1964.

O controle da terra em tempos de Neoliberalismo

A partir da década de 1990, pontua Stédile, a economia brasileira passa a ser subordinada ao capitalismo financeiro internacional, o que causa significativos impactos sobre o campo. Segundo o economista, as empresas transnacionais controlam, gradativamente, o mercado brasileiro de produtos agrícolas: “Essas empresas oligopólicas realizam acordos com os proprietários de terra. Nesses tratos, eles fornecem a terra para cultivo, enquanto elas fornecem as sementes, os insumos agrícolas e as máquinas. Isso é o que a imprensa chama de agronegócio: um casamento diabólico onde não existe espaço para o camponês e onde a responsabilidade ambiental não é, de forma alguma, prioridade”, alerta.

Por conta disso, as multinacionais são, na opinião do MST, os principais atores a serem combatidos no caminho da solução dos problemas de concentração de terra no Brasil. O movimento não encara a atual política de assentamento como uma efetiva reforma agrária. Esses trabalhadores reivindicam a democratização da terra, da água e das sementes, além de defenderem a produção de alimentos sadios, isentos dos malefícios causados por agrotóxicos e inseticidas.

Stédile lembrou também que a implantação de pequenas agroindústrias nos assentamentos para proporcionar melhorias na distribuição de renda e na condição de acesso dos jovens ao mercado de trabalho é outra bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

O MST e a Educação

Ficou claro para o público a dimensão dada pelo MST à Educação. As lideranças do movimento estimulam os trabalhadores a participarem de diversas iniciativas educacionais. Reflexo disso é que existem hoje mais de 2.800 militantes cursando a Graduação e cerca de 180 no Mestrado e Doutorado de universidades brasileiras.

O MST firmou também parcerias com cinco instituições de Ensino Superior com o objetivo de formar uma nova geração de engenheiros agrônomos. “As faculdades de Agronomia pouco sabem sobre agroecologia, pois ainda trabalham na lógica das transnacionais. Nossa concepção então é a de unir reforma agrária e conhecimento”, destacou Stédile. Na UFRJ, está em discussão a criação de um curso de especialização em Filosofia para os membros do MST.

O reitor Aloísio Teixeira destacou que a escolha de Stédile como personalidade a proferir a Aula Magna, evento que abre oficialmente o ano letivo de 2008, foi um reconhecimento da importância de saberes distintos, que não aqueles produzidos e disseminados na universidade: “o que nós, universidade, fazemos não é único. Há uma série de outras formas de conhecimento que não dominamos e que só o faremos quando derrubarmos os muros invisíveis que cercam a universidade”.