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Faculdade de Letras é sede de encontro internacional

 A Faculdade de Letras da UFRJ realizou ontem, 17 de março, o I Encontro Internacional de Processos Urbanos. O evento reuniu os professores Célia Lopes, Dinah Callou, Afrânio Barbosa, entre outros que assim como eles, são professores e pesquisadores do programa de pós-graduação em língua portuguesa da Universidade; Uli Reich, representante da Faculdade de koln na Alemanha, que colaborou na organização do encontro dentro da UFRJ, entre outros docentes da França, Peru e Itália.

O objetivo do Projeto Processos Urbanos é intensificar os estudos que possibilitem entender as relações existentes entre a língua com a qual nos comunicamos e adquirimos conhecimento e o modo de organização fundamental da sociedade em que está inserida.

Ao reunir pesquisadores de diversas localidades, o evento tornou possível a comparação entre situações sociolingüísticas semelhantes e a diferenciação entre o que é generalizado e o que peculiar a cada cultura.

A professora Célia Lopes iniciou o encontro agradecendo ao apoio da Capes, Faperj, UFRJ, dos convidados estrangeiros e dos alunos, que auxiliaram na organização e distribuição de certificados.

– Nós consideramos esse evento experimental, pois conseguimos reunir aspectos teóricos e dois idiomas, o português e o espanhol. – explicou Uli Reich.

Dinah Callou realizou uma palestra sobre o impacto que a vinda da família real portuguesa trouxe para as variações lingüísticas que podem ser encontradas não apenas no Rio de Janeiro onde ela procurou focar seu discurso, mas em todo território nacional. Ao definir rural (relativo a campo) e urbano (relativo ou pertencente à cidade ou que lhe é próprio) de acordo com as definições encontradas no dicionário, a professora buscou mostrar o ambiente em que essas variações são mais intensas e, portanto mais fáceis de serem estudadas.

– Um dos temas mais discutidos nas Ciências Sociais no Brasil é a dicotomia rural e urbana. Nossos censos demográficos, diferentemente dos países estrangeiros, usam critérios muito restritos. Os aspectos histórico-demográficos de cada centro urbano se tornaram objeto de estudo para pesquisadores na década de 60 na tentativa de mudarem essa definição clássica de que urbano é aquele que vive na cidade, – analisou Dinah.

No entanto, parece que essas variações ocorrem principalmente na fala. Em termos sintáticos, segundo a professora, o processo é mais democrático, pois não apresenta grandes mudanças, excetuando questões de concordância, elemento diretamente relacionado à classe social em que cada indíviduo está inserido.

Através de apresentações multimídia e mapas ilustrativos, os pesquisadores buscaram expor as possíveis causas das variações lingüísticas e até que ponto isso pode ser afirmado. O evento reuniu aspectos históricos e fez uma correlação destes, com a língua portuguesa.

Por volta do meio dia, foi lançada a revista Diadorim 2 – estudos lingüísticos, feita pela pós-graduação em letras vernáculas da Faculdade de Letras e que reúne os principais resultados dos trabalhos realizados pelos pesquisadores, afim de que possam ser difundidos e compartilhados.

A vinda da Família Real e suas influências
Durante a palestra, a professora retornou à época da vinda da família real ao Rio de Janeiro na tentativa de descrever as prováveis causas da dinâmica sociolingüística na capital fluminense, detectar as possíveis conseqüências dos movimentos sociais na cidade no inicio da modernidade e analisar o modo como a população cresceu.

Por volta de 1763, o Rio se tornou a capital brasileira e já havia na época um percentual considerável de escravos entre os habitantes, cerca de 35%. Embora a mestiçagem já existisse desde o início, ela só começa a ser percebida tardiamente.

Com a chegada da família real em 1808, além do crescimento da população de escravos, houve um choque dos padrões coloniais e uma intensificação dos movimentos migratórios do campo para as cidades, expandindo a malha urbana e estratificando a sociedade em termos sociais.

A lingüística permitiu uma primeira definição para urbano e rural. No primeiro, a confluência lingüística é marcada pelo encontro entre os moradores antigos e novos. No segundo, ocorre a ausência desse processo. Com a expansão, se tornou mais difícil definir o que era urbano, pois áreas que ate então eram tidas como rurais deixaram de ser.

A vinda dos portugueses começou a delinear os contrastes do Rio de Janeiro e estes influenciaram, segundo as observações feitas pelos pesquisadores, as diferenciações lingüísticas presentes no estado. Eles impuseram à cidade uma nova classe social e com ela, novas necessidades materiais. Com essa imigração portuguesa, a composição étnica e social existente ate então, começou a mudar.

Naquela época, mobilidade espacial era um privilégio para poucos. E a concentração predominante deles na zona Sul, poderia segundo informou Dinah Callou, explicar as diferenças lingüísticas existentes nessa região.

O português carioca desenvolveu quatro resultantes: o falar de mais prestígio, usado pela nobreza da zona sul, o mais popular, o rural e o falar de confluência das áreas centrais e rurais.

Nada pode ser afirmado com certeza, pois não existem documentos que comprovem os fatos estudados. Apenas é possível fazer conjecturas baseadas na observação dos mesmos. “A imigração foi importante para criar essa oposição entre rural e urbano, mas o que temos de concreto é que os portugueses ocuparam as freguesias urbanas (Candelária, São José, Sacramento, Santana e Santa Rita) de forma diferenciada, preferindo as mais centrais em detrimento das periféricas. Os quadros que nós temos são simples porque falta uma analise do poder e da exigência de mobilidade das populações menos abastadas. Estabelecer, portanto, correlações do Rio do século XIX com o contemporâneo pode ser um caminho a seguir”, esclareceu a professora.

Ao final do evento, Dinah Callou concluiu sua palestra ao citar Roger Lass, especialista em história lingüística na Universidade de Cape Town: “As histórias da língua são como todas as histórias, mitos, pois não se pode saber o que realmente significam os documentos encontrados e registrados na história”.