A música dos “Violões da UFRJ” abriu a Sessão Solene da Congregação Comemorativa do 199º Aniversário da Criação da Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia. O evento foi realizado no Auditório Rodolpho Paulo Rocco, no Centro de Ciências da Saúde — CCS, começando às 10h30min dessa segunda, dia 05 de novembro. O grupo dos sete violonistas teve uma performance memorável em composições como “Brasileirinho” “Pedra Eterna” e “Samba da Quarta-feira”, sendo muito aplaudido pelo platéia.
O conjunto deu lugar à mesa composta por Aloísio Teixeira, reitor da UFRJ, Sílvia Vargas, Vice-reitora da universidade, Antônio Ledo, diretor da Faculdade de Medicina, José Marcus, Vice-diretor da mesma faculdade, Geórgio Maia, ex-professor de medicina e escritor, Almir Fraga, decano do CCS, e Sérgio Novis, o professor titular mais antigo da faculdade e decano da Congregação.
A história
— Começava no século XIX e Napoleão Bonaparte buscava a conquista da península ibérica. A família real portuguesa vivenciava nesse momento o perigo de sofrer o que outros reinados haviam sofrido nas mãos do general guerreiro: a possibilidade de perder o seu reino, – afirmou Novis — e continuou: “Devemos, portanto, nós brasileiros, certo grau de gratidão à figura de Napoleão Bonaparte. Não existisse esse homem com vontade de conquistar terras e reinos, talvez o Brasil estivesse na situação de outras colônias que não chegam a pungência que o país tem hoje”.
Pouco tempo após sua chegada ao Brasil, em 5 de novembro de 1808, D.João VI, que, de acordo com Novis, era um estadista, não o comedor de frangos que os historiadores às vezes retratam , criou a Faculdade de Anatomia, Medicina e Cirurgia, a primeira do Brasil. “Isso foi de importância extraordinária, mesmo fora da área acadêmica, já que o Brasil tinha grande carência de medicina na época. Era exercida por poucos médicos formados em Portugal e a cirurgia, na sua maioria, por barbeiros” declarou ele. “Quando vejo essa congregação, ornada por cirurgiões da mais alta competência, me lembro de como a situação mudou” disse ele, em tom lúdico.
De acordo com o professor, a faculdade passou por diversas sedes em sua história, sendo assim uma faculdade “peregrina”. “A carta-régia que nos criou foi incendiada, provavelmente, na nossa primeira sede, o hospital militar do morro do castelo” lembrou ele. Começavam ali os primeiros desentendimentos entre a escola médica e os hospitais. “Os militares achavam uma certa intromissão aqueles indivíduos ali a ensinar medicina quando eles queriam o hospital só para eles”.
— Em 1° de abril de 1813, um decreto real substituía o nome de ‘Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia’ por ‘Academia Médico-cirúrgica’. E em 3 de outubro de 1832, ela passaria a se chamar ‘Faculdade de Medicina e Farmácia’. Essa foi a época em que o imperador D.Pedro II baixou um decreto cedendo ao diretor da Faculdade de Medicina o direito de entregar o título de doutor em Medicina, Farmácia ou de Parteira – afirmou o orador.
Para ficar mais próxima ao Hospital da Santa Casa da Misericórdia, onde acontecia a maioria das disciplinas, a faculdade sofre sua primeira transferência. Lá havia o recolhimento das órfãs. Quem quisesse se ver livre de uma criança a colocava na ‘roda’ e ela era recolhida. Novis também descreve que os cursos foram ministrados no hospital até que o professor Aloísio de Castro, na praia vermelha inaugura o prédio que abrigou a faculdade de medicina até 1978.
O período da Praia Vermelha
Sérgio Novis tem muitas recordações desse período, que o acompanhou desde os tempos de infância. Aos 8 e 10 anos de idade ia a velha faculdade da Praia Vermelha levado por seu pai para assistir os concursos. “Encantava-me com o jogo de inteligência de examinadores e candidatos. As tiradas felizes que davam aquela sala da congregação uma aura de alegria” lembrou o decano. O prédio da medicina ficava na área onde hoje fica um dos prédios da UniRio e teria sido demolido em 1978, durante o período da ditadura militar.
— O prédio só foi demolido na realidade dos fatos, mas jamais o será no mundo dos sonhos de cada um dos que ali estudaram ou lecionaram – disse o professor emocionado. E esse foi o maior desafio de se viver no hospital universitário. “Trasladar pessoas, trasladar móveis é fácil. O governador Brizola até nos deu de presente a linha vermelha. Mas trasladar o carisma, o sonho, a história das paredes nunca se conseguiu. Em verdade, do recolhimento dos órfãos na Santa Casa a Faculdade de Medicina evoluiu para os órfãos do edifício”, recordou.
Novis levanta a hipótese de que a demolição tenha sido uma forma de ataque da ditadura. “Talvez esse ato não tenha ocorrido por acaso. Talvez tenha tido um objetivo político. Vivia o Brasil um regime de força. E os homens que o detinham sabiam que a Universidade era um grande perigo, pois é a casa do saber e da criatividade de onde poderiam surgir as idéias que poderiam mostrar os erros que por acaso praticassem. E ferir uma casa como a de medicina anestesiaria as reações” afirmou o palestrante.
— Hoje é dia de aniversário. 199 anos, a medicina é uma senhora vetusta. Se ainda fala, se ainda recebe no seu curso de graduação, notas elevadas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), se ainda tem o vestibular mais disputado da cidade, ainda tem a mais significativa proporção candidato/vaga, então ela pode pedir. Merecemos uma sede digna para que aí sim possamos descansar e dizer que agora estamos em morada definitiva, – arrematou Novis.
Após o pedido de uma nova sede, o palestrante lembrou ainda de alguns nomes que passaram pela faculdade, como Edison Saradi e Rodolpho Paulo Couto. O professor mais antigo da congregação foi aplaudido de pé por seus colegas e os outros presentes.
Novos rumos
Antônio Ledo, diretor da Faculdade de Medicina disse em seu discurso que grandes desafios são colocados, para enfrentá-los, está sendo usada a teoria dos três “Rs”. “Precisamos de uma faculdade inflexível na capacidade de pensar sobre si mesma, de analisar suas virtudes e limitações. Então é isso, é esse conceito, essa idéia de refletir para outros horizontes, para frente suas idéias e ideais”.
O segundo “R” é o de responsável. Faculdade que assume sua responsabilidade com o seu corpo social, discentes, docentes e técnico-administrativos e presta atenção especial a seu corpo de graduação, aqueles que amanhã estarão tomando conta de pacientes, explica o diretor.
E por último, o terceiro “R” é de revolução. Faculdade revolucionária em suas idéias. Inovadora e propositiva. Entende e aposta nos desafios colocados pela UFRJ no sentido de universalizar o ensino superior e acelerar a integração dos saberes. Entende que a integração dos saberes deve impulsionar a ação do ensino, pesquisa e de extensão. “A essa faculdade que faz 199 anos, da qual temos orgulho, carinho e muita esperança que desejamos o mais promissor dos futuros”, concluiu Antônio Ledo.
O decano Almir Fraga falou sobre como o passado ajuda na construção do futuro da faculdade. “Os grandes momentos são marcas, são alicerces que constroem e garantem a perpetuidade dessa instituição. Ao saudarmos os 199 anos, registramos o primeiro evento da comemoração dos 200 anos. Mas não o fazemos apenas para reverenciar a experiência, a maturidade e a sabedoria de uma bicentenária matriarca. Percorremos caminhos desse passado e antecipamos as mudanças e os sucessos do futuro, como bem colocado pelo professor Ledo. Comemoramos uma nova infância a cada dia e comemoramos mais um ano dessa sempre jovem anciã” afirmou o decano.
A vice-reitora Sylvia Vargas falou da separação dos cursos que compunham o original. “As competências profissionais se separaram, mas a história comum mostra que o compromisso com a saúde da população e com a busca do conhecimento capaz de melhorar a qualidade de vida continua uma só e é hoje em dia compartilhada por novas profissões que se incorporaram nessa trajetória” disse ela.
O reitor Aloísio Teixeira classificou o discurso do professor Novis como brilhante ao ter falado da demolição do prédio da Faculdade de Medicina na Praia Vermelha. “Registrei a passagem e refleti” disse, se referindo que o prédio não havia sido demolido no sonho. “O sonho não nos devolve ao já vivido, o sonho nos remete ao não vivido. Não se trata de contar aquilo que foi vivido. Estamos aqui para discutir a nossa universidade, pensar a sede da faculdade de medicina” afirmou o reitor.
Alolisio finalizou sua fala assumindo um compromisso: “Se não recompormos o nosso tecido, todo o nosso esforço pode ser inútil. Portanto, compromissos assumidos, o meu com a sede, o nosso, o de todos, com uma nova universidade”.
A Sessão Solene da Congregação Comemorativa do 199º Aniversário da Criação da Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia foi o primeiro dos eventos que comemoram o bicentenário do ensino superior em medicina no Brasil. A comemoração prossegue até o final desse ano e vai até dezembro do ano que vem.