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A deficiência visual em discussão na UFRJ

 Começou nesta terça-feira, dia 23 de outubro, o I Colóquio Ver e Não Ver: Cognição e Produção de Subjetividade com portadores de Deficiência Visual, resultado de uma parceria entre o Núcleo de Pesquisa Cognição & Coletivos do Instituto de Psicologia (NUCC / IP) da UFRJ e o Instituto Benjamin Constant (IBC). O evento reúne pesquisadores, profissionais, estudantes e deficientes visuais, com o intuito de promover a troca de conhecimento, informações e experiências acerca da deficiência visual.

A abertura do evento aconteceu no Salão Pedro Calmon, no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, onde Virgínia Kastrup, professora do IP e presidente da comissão organizadora do colóquio, Maria da Glória Souza Almeida, chefe de Gabinete da Direção do IBC, e Marcos Jardim Freire, diretor do IP, destacaram a importância de se promover encontros como este, realizado com a participação ativa de pessoas com deficiência visual, e não apenas sobre elas. Virgínia reforça esse objetivo: “Desde o início determinamos que a proposta do Colóquio seria reunir as pesquisas existentes nessa área às experiências de vida das pessoas que convivem com a cegueira, estabelecendo um diálogo entre as diferentes formas de ver e sentir o mundo”, afirma a organizadora.

Maria da Glória, por sua vez, ressalta o trabalho em conjunto realizado pelos estagiários do Núcleo de Pesquisa junto ao IBC. “Há um ano estes estudantes acompanham os projetos desenvolvidos no Instituto Benjamin Constant, que é uma instituição centenária no tratamento de pessoas com deficiência visual. Eles acompanham e participam de trabalhos, como por exemplo, a oficina de cerâmica, realizando estudos e pesquisas sobre a forma como a pessoa não-vidente se relaciona com o que está à sua volta, revelando a identidade de artista, de ser transformador que o deficiente visual possui”, enfatiza.

Já Marcos Freire destaca o papel da Universidade na formação de uma rede de integrada entre essas diferentes maneiras de se relacionar com o mundo. “É nossa função contribuir em pesquisas para o desenvolvimento e integração social. Este exercício, entretanto, não deve ser solitário, mas com o estabelecimento de parcerias e associações que visam o diálogo e a discussão de temas relevantes como este, dispostos a conceber novas idéias, visões e procurando alterar o status quo”, acredita o diretor.

Os Mecanismos de Substituição Sensória
Após a abertura, teve início a conferência ministrada por Eliana Sampaio, professora e representante do Laboratório Brigitte Frybourg do Conservatoire National dês Arts et Métiers, apresentando pesquisas que visam auxiliar na substituição sensória de pessoas com deficiência visual.

A professora começa sua exposição citando o poeta português Fernando Pessoa : “Se a Ciência quer ser verdadeira, que ciencia mais verdadeira que as coisas sem ciência ?”, apropria-se a professora, estabelecendo um diálogo entre sua conferência e o Sarau que o Colóquio realiza no desfecho do evento, dia 24 de outubro, às 18h. Eliana, então, responde a essa questão ao longo da conferência, expondo as possibilidades que a pesquisa científica pode trazer à pessoa com cegueira.

A conferencista explica que existem três tipos de substituição sensória: “a primeira é a natural, quando o não-vidente usa a audição, o toque para conhecer, medir, entre outros. Outra forma é a substituição clássica, como o uso da bengala e o aprendizado do Braille. Por último, a substituição sensória de alta tecnologia, que utiliza equipamentos viso-táteis e viso-auditivos, dos quais muitos ainda estão em estudo”, revela a especialista.

Em relação aos mecanismos viso-auditivos, Eliana descreve o funcionamento de um dos dispositivos, ainda não existente no Brasil. “Este guia funciona à base de um emissor e dois receptores de ondas ultra-sônicas, semelhante ao mecanismo natural dos morcegos, que se convertem em sons audíveis ao deparar com um obstáculo, permitindo conhecer o tamanho, o volume do objeto”, conta Eliana, que também exemplifica o seu uso apresentando uma das pesquisas realizadas com o guia sônico em crianças que nasceram cegas. “Esse aparelho ajuda a desenvolver a capacidade sensório-motora, mostrando, a partir da estimulação ultra-sônica, que apesar da ausência de som ambiente, permanece a presença de objetos e pessoas no local. A criança consegue então, a partir dessa conversão das ondas ultra-sônicas em sons, chegar a um objeto com facilidade”, explica a professora. 

Eliana conta ainda que, nessas pesquisas, a criança não é ensinada a usar o aparelho, aprendendo sozinha a buscar o objeto, e que apesar dos bons resultados, o objetivo é que a criança não o usasse como bengala. “Diversas pesquisas comprovaram que com o aparelho, a resposta ao estímulo é melhor. Queremos, contudo, que ela aprenda a buscar os objetos sem a necessidade do aparelho, a partir de outras formas de estímulo, como o som”, explica a professora, esclarecendo também a importância desse incentivo ao desenvolvimento motor das pessoas que nascem com cegueira. “Quando não é estimulada, essa criança pode apresentar certa dificuldade de desenvolvimento em comparação às videntes como passividade, com os punhos cerrados, na altura dos ombros, manifestando receio de tocar objetos; coxidão, preferindo tocar objetos com os pés – o que pode prejudicar o andar – e ao dar os primeiros passos, tatear com o pé onde pisar”, exemplifica Eliana, lembrando que essas características são, por outro lado, formas inteligentes de adaptação natural da criança ao meio.

A professora continua a explanação, explicando sobre um mecanismo de substituição sensória tátio-visual. “Esse dispositivo, por sua vez, transforma as imagens captadas por uma câmera acoplada a uns óculos adaptados que transmite essa imagem, através de impulsos de estimulação por pontos que representam a forma do objeto focalizado. Nos primeiros experimentos essa estimulação era mecânica e aplicada nas costas da pessoa não-vidente, mas se tornou inviável pelo tamanho exagerado dos equipamentos. Em seguida, criou-se um aparelho mais portátil, porém à base de impulsos elétricos aplicados na barriga, que acabava por causar choques leves no usuário.

Está em desenvolvimento um esquema que aproveita o ambiente eletrolítico da boca para essa estimulação, com uma espécie de aparelho dental acoplado ao palato, que transmite os impulsos pelo contato com a língua. Este último esquema, está sendo também estudado para o uso de mergulhadores e bombeiros, em casos que necessitam de orientação locomotiva”, descreve Eliana, destacando que o uso contínuo desses equipamentos acaba por ativar o córtex occipital, área do cérebro responsável pela visão. “Estes gestos, então, são interpretados como da ordem visual”, conta a especialista, abrindo espaço para questões sobre sua conferência.

O Colóquio Ver e não Ver continua nesta quarta-feira, dia 24 de outubro, com a apresentação da mesa de debates “O que percebemos quando não vemos”, no salão Pedro Calmon, e com a apresentação dos grupos de trabalho no IBC, finalizando o evento com a apresentação de um Sarau, aberto a apresentações do público em geral. O Fórum de Ciência e Cultura fica à Avenida Pasteur, nº250 – campus UFRJ da Praia Vermelha.