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A violência no Rio de Janeiro sob a ótica da psicanálise

 Na última sexta-feira, 26 de outubro, a Associação Brasileira de Psicanálise – ABP, a Federação Psicoanalítica da América Latina – FEPAL e a Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro – SBPRJ realizaram o seminário “Rio, que cidade é essa?”, com apoio do Banco do Brasil e do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ – FCC.

 Que cidade é essa?
O painel de abertura contou com a presença de Altamirando Andrade, presidente da SBPRJ; Wilson Amendoeira, representante da ABP; Carlos Minc, Secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro; Elizabeth Castro, curadora do FCC/UFRJ; Maria Teresa Naylor Rocha, coordenadora do Programa Psicanálise e Interface Social da SBPRJ – PROPIS; Sérgio Cyrino da Costa, diretor superintendente da ABP; e Maria Helena Junqueira, Vice-presidente da SBPRJ e professora da ECO/UFRJ.

De acordo com Maria Teresa Rocha, esse seminário objetiva inserir a psicanálise na rede urbana carioca com o intuito de analisar os diversos limites da violência que assolam a cidade. Já para Wilson Amendoeira, assim como a reflexão sobre essa temática deve ultrapassar os limites acadêmicos, também deve ir além da psicanálise e atingir outros campos profissionais.

Sérgio Cyrino destacou a preocupação da ABP em estar envolvida com eventos que abordem as emoções da sociedade: “A violência que antes tínhamos acesso apenas através dos meios de comunicação, como guerras e conflitos distantes, esta sendo vivenciada diariamente dentro do Rio de Janeiro”, comentou.

Maria Helena Junqueira confessou acompanhar o esforço incessante do PROPIS na tentativa de melhorar a qualidade de vida na cidade. Segundo a vice-presidente, o Rio de Janeiro está inserido em um contexto tão diverso e desigual que é fundamental que órgãos públicos e privados se dediquem à busca de uma identidade: “A indiferença à diferença é o grande problema da cidade carioca”, lamentou.

Segundo Carlos Minc, o Rio de Janeiro está submetido à uma série de formas distintas de se cometer violência: “tráfico de drogas, preconceito e discriminação, desigualdade social, contra o meio ambiente, no trânsito, negligência governamental”. De acordo com o secretário, o poder paralelo acaba criando uma relação despótica nas comunidades e favelas às quais estão inseridas, o que certamente permite o contínuo ciclo infindável de novos chefes do tráfico assumindo o posto dos que são detidos ou mortos, devido à cultura e à realidade construída no local.

Elizabeth Castro lembrou que a imagem do Rio de Janeiro está deturpada pela violência generalizada e destacou que a intenção do debate é resgatar o que a cidade ossui de melhor: “seus habitantes. A exclusão social é a prática mais cruel e determinante que existe”.

Resgatar o futuro
O psicanalista uruguaio Marcelo Viñar, Presidente do Comitê de Exclusão Social da International Psychoanalytical Association – FEPAL/IPA ratificou que a proposta do seminário vai além das expectativas tradicionais, visto que não se trata de uma reunião de academicistas ou de militantes, mas sim de uma relação da universidade com a cidadania.

Segundo o presidente, as Ciências Tecnológicas não podem mais explicar os fenômenos urbano-sociais: “A chamada Revolução Epistemológica não funciona nos países de Terceiro Mundo, submetidos à violência constante”, declarou Viñar. Portanto, as Ciências Humanas devem assumir esse papel por excelência e apanhar o âmbito social como objeto de estudo, e encarar seus problemas como situações a serem resolvidas efetivamente.

A generalização da violência no meio urbano, de acordo com o psicanalista, alcançou a magnitude da guerra declarada: “Estamos desperdiçando vidas, ao mesmo tempo que  produzimos homens descartáveis”, afirmou o conferencista. Para Viñar, a nova concepção de valores do mundo atual, subjugado à violência, estabeleceu um presente constante na vida do homem e excluiu, quase que completamente a perspectiva de futuro. O presidente explicou que segundo Lacan — conceituado psicanalista francês — o homem é um animal com necessidades básicas, como qualquer outro, porém o Eu do indivíduo que permite a criação do caráter simbólico: “O homem voltou a ser um Ser de necessidades. O tempo vivencial interior se rompe em um presente exagerado e não estabelece mais vínculos sociais e afetivos com o próximo”, disse o palestrante.

Viñar afirmou que atualmente toda a teoria social criada produz uma semiologia do assombro, da prisão. Para ele, pensar em um semelhante como torturador, marginal é o mesmo que supor todo alemão partidário de Hittler. A exclusão, de acordo com o psicanalista, não pode somente ser definida como escassez ou carência, mas sim através da genealogia.

O presidente contou um pouco de sua experiência de campo com menores infratores. Segundo ele, é essencial que se esteja entre os marginalizados para que a psicanálise se legitime como estudo efetivo: “Visitei instituições prisionais e normativas de menores. Não se dá um passo desses sem medo de uma reação agressiva, obviamente, mas era assim que também descobríamos a alteridade desses menores”, confessou Viñar.

O conferencista afirmou que em todas as situações de pesquisa de campo sempre se encontrava um jovem frágil que apelava para a nostalgia e pelo carinho das relações humanas; o que ajudava a concluir que a juventude marginal não necessita apenas de assistência material, como também de um contrato narcisista comum à qualquer família burguesa: “o direito individual de ser autêntico”. Para o palestrante, todos os indivíduos, marginalizados ou não, carecem do esquecido horizonte de futuro para estebelecerem uma sociedade de fato: “Do contrário, seremos tão marginais quanto os que condenamos”, concluiu Marcelo Viñar.