O Grupo de Estudos da Cidade e da Comunicação, a Coordenação Interdisciplinar de Estudos Culturais – CIEC, a Escola de Comunicação da UFRJ – ECO, o Núcleo de Pesquisa Cognição e Coletivos – NUCC e o Instituto de Psicologia da UFRJ – IP se uniram nessa terça-feira, 18 de setembro, para a exposição Algumas Etnografias, com apoio da Faculdade de Educação – FE, E do Programa Avançado de Cultura Contemporânea – PACC.
Virgínia Kastrup, professora e coordenadora do Programa de Pós-graduação do Instituto de Psicologia da UFRJ, apresentou a pesquisa Com cegos numa oficina de cerâmica, da área de Psicologia Cognitiva e Estudos da Subjetividade, abordando a atenção de deficientes visuais durante o processo de criação da oficina de cerâmica do Instituto Benjamin Constant, referência em estudos sobre as deficiências visuais: “A intenção não é destacar a atenção rotineira do cego quando ele se desloca no espaço da cidade, mas sim durante a prática artística”, ressaltou a palestrante.
A oficina é oferecida para pessoas que perderam a visão, e não para aqueles que nasceram sem visão. “É um espaço chamado de oficina de reabilitação, termo que não gosto muito”, disse Virgínia. Segundo a coordenadora, são pessoas que estão tentando reorganizar seu sistema cognitivo a partir da perda da visão e, por outro lado, tendo que reinventar as suas vidas e toda uma existência em função da falta de referência imagética.
A oficina tem uma orientação artística propriamente dita, e não apenas uma função de terapia ocupacional. A proposta é verificar o que Virgínia chamou de “efeitos colaterais da cerâmica”, isto é, o que a produção artística provoca da invenção de subjetividade no indivíduo cego: “Devido a essa pesquisa, estamos formando no IP um grupo de bolsitas interessados na temática da cegueira”, declarou a professora.
Virgínia trabalha no estudo de campo com o método da cartografia, proposto pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari, que é muito próximo da pesquisa etnográfica: “Fiz nove longas entrevistas utilizando a técnica da entrevista de explicitação, em que utilizávamos uma experiência de referência, isto é, eleger uma das peças de cerâmica para que se remontasse a partir dela o processo de criação da peça”.
Para Kastrup essa metodologia foi essencial, não só porque se problematizava várias questões constatadas, como também os próprios indivíduos estudados remetiam novas questões a serem discutidas: “Uma série de desdobramentos foram levantados a partir da análise de pesquisa. Por exemplo, passou a se questionar também a atenção do pesquisador durante o processo criativo do indivíduo estudado”, observou a palestrante.
Janice Caiafa, professora da Escola de Comunicação da UFRJ e coordenadora do Grupo de Estudos da Cidade da Comunicação, expôs a pesquisa Viajar de metrô que foi baseada na experiência dos usuários do metrô do Rio de Janeiro e na análise da abordagem das regras que regulamentam o ambiente: “O estudo centrou-se mais especificamente na questão dos acentos preferenciais para idosos, gestantes e deficientes físicos, que parece simples, porém realmente tem afetado bastante o cotidiano dos passageiros do metrô”, disse a professora.
De acordo com Janice, a idéia está em o metrô se resumir a um espaço de circulações precisas, ou seja, é dever do operador do veículo sinalizar e indicar as regulamentações do espaço: “Ao mesmo tempo que a sinalização do transporte é necessária para a informação, acaba por restringir e estabelecer exigências no que eu chamei de circuitos metropolitanos”, declarou.
Provoca-se, segundo a professora, uma cultura da viagem silenciosa que desenvolve certa polidez entre os usuários. Mas atualmente a viagem segue repleta de avisos sonoros sobre os acentos preferenciais, que são identificados pela cor laranja, e que fomentam diversas reações e interpretações sobre o papel da solidariedade no metrô: Eu acompanho esse aviso sonoro desde que ele possuía a palavra “obrigada” ao final, eu me ative à ausência dessa palavra. A indicação da regra se tornou muito mais imperativa. A idéia não é mais persuadir nem conquistar e sim deixar a mensagem explicitamente clara”, ressaltou Janice.
Após essa prática, de acordo com a pesquisadora, surgiram novos personagens no ambiente do metrô: o idoso exigente e ríspido com as pessoas que utilizam os acentos preferenciais; o estudante injustiçado que garante ser mal visto por sentar em qualquer parte do veículo; o vigilante que apura por conta própria quem deve sentar e quem deve ficar em pé, entre outros: “Também há manifestações curiosas como não sentar-se no acento preferencial mesmo que não haja idosos, gestantes ou deficientes por perto. Houve um entrevistado que mencionou a questão da vigilância coletiva, em que a política do acento preferencial provoca a auto-regulação dos indivíduos”, disse Janice Caiafa.
Já Matheus Ramalho, mestrando do Programa Pós-graduação de Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação, falou sobre a pesquisa O Odeon BR na Cinelândia carioca, sobre o cinema Odeon, recentemente restaurado com patrocínio da Petrobras (BR) Distribuidora, e desde de 1999 é Odeon BR, quando adquiriu a característica de espaço diferente em relação aos demais cinemas da cidade. “Agora o Odeon BR exibe filmes brasileiros pouco divulgados e outros filmes estrangeiros, porém de caráter alternativo, visando o marketing cultural, o que não é uma proposta muito comum”, afirmou Matheus.
Segundo o pesquisador a cultura no Brasil hoje é produzida quase sempre por essa via, com a mão do Estado, e de maneira restritiva ao que vai ser produzido e apresentado. Mas observação da vizinhança da Cinelândia foi crucial para o desenvolvimento da pesquisa: “A subjetividade é processual e está em constante produção na sociedade em que o indivíduo é submetido”, observou o palestrante. De acordo com Matheus, Guattari e Deleuze notaram que a aliança entre capitalismo e os meios de entretenimento e comunicação produziram a principal forma contemporânea de controle: “O que se nota a partir do Século XX é o processo de privatização do espaço, assim como ocorreu com o Odeon BR, e que, a meu ver, colocou-se em uma encruzilhada na questão da produção da subjetividade e do capitalismo”, concluiu Matheus Ramalho.