Categorias
Memória

Acesso universal é pauta de seminário na UFRJ

Seminário do Projeto Conexões de Saberes, organizado pela Pró-reitoria de Extensão (PR-5), traz para a UFRJ a discussão sobre ações afirmativas que permitam a universalização do acesso à universidade.

 Nesse 20 de agosto, a UFRJ debateu “As Ações Afirmativas e o desafio da democratização do acesso e da permanência no Ensino Superior”. O evento foi uma realização da Divisão de Integração Universidade Comunidade – DIUC, vinculada à Pró-Reitoria de Extensão da UFRJ; e do projeto Conexões de Saberes.

A mesa de abertura contou com a presença de Laura Tavares, Pró-reitora de Extensão da UFRJ; Jorge Luiz Barbosa, Coordenador Nacional do Projeto Conexões de Saberes; e João Paulo M. Castro, Coordenador Executivo do Projeto Trilhas de Conhecimentos do Laboratório de Pesquisa da Cultura, Etnicidade e Desenvolvimento – LACED do Museu Nacional da UFRJ.

Segundo Laura Tavares, o seminário pauta um debate central sobre um assunto que é pouco abordado no meio acadêmico: “As ações afirmativas precisam ser mais ampliadas e intensificadas na questão do acesso à universidade, principalmente”, afirmou. A pró-reitora garantiu que a UFRJ possui várias políticas de acesso e permanência, que serão debatidas na última mesa do dia 21 de agosto – último dia do evento – porém crê que há outro ponto mais importante nesse seminário: “É uma oportunidade única de nós da UFRJ ouvirmos e intercambiarmos experiências com nossos colegas de outros estados sobre sistemas mais avançados no ponto de vista do acesso, que já estão sendo implementados pelo país”, observou Laura.
Como representante da reitoria da UFRJ, Laura Tavares desejou Que o debate fosse procedido com autonomia, preservando a especificidade da UFRJ: “Ninguém está aqui para copiar modelos”, completou.

O também professor da UFF, Jorge Luiz Barbosa, contou que o programa Conexões de Saberes reúne atualmente 33 universidades federais e tem como objetivo fundamental criar uma agenda de Ações Afirmativas que efetive a democratização do acesso e a permanência qualificada de jovens de origem popular: pretos e pardos, oriundos de escolas públicas e residentes em favelas e comunidades carentes, que por esforço individual conseguiram completar o ensino médio ou alcançar a faculdade: “No entanto, falta uma política pública que garanta o ingresso desses jovens na universidade e os constitua cidadãos profissionais, que sejam capazes de formular, acompanhar e avaliar políticas sociais pensadas para reduzir as desigualdades sociais”, lamentou Jorge.

Segundo o coordenador, a escola é um espaço estratégico de mobilidade social e pólo de análise das políticas públicas, no intuito de repensar a sociedade em que vivemos: “Há muitos que não valorizam a escola, sobretudo a escola pública. Evidentemente a educação não vai reduzir todo tipo de problema da sociedade brasileira, contudo, sem ela seria impossível, já que temos na escola um espaço de produção do conhecimento, um espaço de reflexão crítica, de construção de novas sociabilidades e, sobretudo, um espaço de interatividade com o público”, justificou Jorge Luiz.

O coordenador do Conexões de Saberes confirmou o lançamento do Portal Conexões, na internet. De acordo com Jorge o objetivo é criar uma ferramenta de informação e comunicação dentro do projeto, porém dialogando com outros programas e com a própria universidade: “Esse portal permite o acompanhamento, monitoramento, avaliação permanente e participativa do projeto. Haverá um forum aberto a discussões onde podemos conversar com a sociedade civil e outras instituições”, disse o professor.

Jorge é otimista quanto à consciência política nacional: “Acredito que a sociedade brasileira está amadurecendo no âmbito da democracia participativa. Com a discussão das Ações Afirmativas – que para mim estão além das cotas – a universidade é obrigada a olhar para dentro de si mesma – talvez seja por isso que se trata de um assunto bastante evitado. Precisamos retomar uma articulação nacional, produzir um documento de Ações Afirmativas no Brasil e criar uma agenda propositiva, que garanta a diversidade e autonomia das universidades. No entanto, todas essas medidas precisam ser efetivadas com firmeza institucional e dentro do propósito maior do Conexões dos Saberes”, declarou Jorge Luiz.

Para João Paulo M. Castro, um seminário desse porte possui um duplo desafio: em primeiro lugar pensar políticas, caminhos, para democratização real do acesso à universidade e para a permanência de segmentos sociais que estão marginalmente excluídos desse processo; o segundo desafio é refundar a estrutura universitária, a sua própria forma de transmissão e produção do conhecimento.

O projeto Trilhas de Conhecimentos nasceu no LACED do Museu Nacional da UFRJ, sob coordenação do professor Antonio Carlos de Souza Lima e é financiado pelo programa Pathways to Higher Education Initiative da Fundação Ford. O projeto nasceu em 2004 com o intuito de promover e assessorar propostas que tenham como interface a questão indígena e o acesso indígena ao Ensino Superior: “Atualmente, o projeto Trilhas de Conhecimentos se encontra em uma fase incentivadora da formação de pesquisadores indígenas, para que eles possam produzir o conhecimento sobre a sua situação, sobre a sua realidade”, afirmou João Paulo.

O debate da Mesa Redonda

A mesa redonda, coordenada por Sabrina Moehlecke – professora e membro do Conexões de Saberes – foi composta por Antonio Sergio Guimarães (USP), que discutiu “A racialização enquanto estratégia política” e, novamente, por João Paulo M. Castro, que abordou “A difícil articulação entre igualdade e diferença”.

Após a exibição de um vídeo-documentário produzido pelo Trilhas de Conhecimentos, João Paulo ressaltou a importância deste para que se conheça e que se compartilhe os problemas enfrentados pelos acadêmicos indígenas: “Uma questão importante é como pensar a promoção do acesso à universidade a partir de coletividades que possuem uma história, uma cultura, uma tradição, sem cair na forma já conhecida com que se lidou com os índios por meio da assimilação. Acho que a questão indígena, do direito coletivo, das tradições culturais, ajudam a pensar que projeto nacional é esse. Que maneira de promover a inclusão, sem negar a diversidade?”, indagou o palestrante.

Atualmente no Brasil existem mais de 240 etnias que falam mais de 180 línguas. Esses povos correspondem a menos de 1% da população brasileira, mas ocupam (por direito) 12% do território nacional: “A questão do processo de inclusão dessa coletividade traz o debate sobre a forma de ordenação da nação”, concluiu João Paulo.

Para Antonio Sergio Guimarães, pode-se dizer de certa forma, que toda a racialização é política. Segundo o professor, a criação das raças, principalmente no séc. XIX, foi uma justificativa para a conquista européia e o sistema colonial subseqüente. No entanto, também podemos considerar que essa visão da racialização com origem política é apenas funcional: “Na verdade, a invenção das raças no século XIX não tinha uma intenção estratégica porque ainda não havia essa consciência política tão evoluída. Então mais do que uma estratégia ela é tida como uma conseqüência não esperada”, afirmou Antonio.

O professor da USP garante que a única forma da racialização ser propriamente estratégia política, é quando a esta passa a ser uma auto-identificação (final do século XIX): “Um líder americano importante para a causa afro-descendente foi Dubois. Ele foi o primeiro negro formado pela faculdade de Harvard em sociologia e fez seu doutorado em Berlim. Dubois foi o responsável pelo termo raça histórica, isto é, recuperar a dignidade e cidadania de um povo escravizado era denominá-lo diferente enquanto cultura, enquanto história. Assim a racialização passou a ser política”, justificou Antonio Sergio.

A definição ‘raça negra’, de acordo com Antonio, não se trata de uma raça histórica. Os negros vivem cada um na sua individualidade, porém caracterizam a raça para lutarem contra os preconceitos: “Até mesmo quando se falava em preconceito no início do século XX era tido como preconceito de cor, e não de raça. Então esse movimento se dá muito influenciado pelo debate político. Às vezes me pergunto por que a racialização como estratégia política volta com toda a força no período de redemocratização do Brasil – anos 70? É o preconceito racial que cria o grupo racial, e não o contrário” observou Antonio Sergio.

Na abertura ao debate, Fabio Rodrigo – membro do Coletivo Negro DENEGRI da UERJ e Rosana Mendes – mestranda da Escola de Serviço Social da UFRJ, foram dois membros da platéia que se manifestaram quanto às afirmativas abordadas pela Mesa Redonda.

Fabio criticou a metodologia do seminário em formar a mesa apenas com acadêmicos e não convidar ninguém que estivesse passando pelas dificuldades apresentadas no debate. Também condenou a forma de assimilação do conhecimento a que os negros e índios são submetidos: “A universidade não tem um fim em si mesma. Os povos negros e índios devem ser respeitados primeiro como indivíduos, independentemente se alcançarem o ensino superior”, declarou Fabio.

Já Rosana sugeriu que deve haver Ações Afirmativas efetivas, já que são previstas por lei para todas as universidades: “Isso é necessário, somente assim o negro e o índio poderão se apropriar do conhecimento do branco”, disse Rosana. Também questionou o projeto de educação do país, já que não viu sentido em oferecer cotas nas universidades porque a educação básica pública é um fracasso.