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José Paulo Netto ministra aula inaugural na Faculdade de Letras

 “Tive bons conselhos que me diziam que eu não tinha talento para a criação. Por isso, virei crítico”. Foi assim que José Paulo Netto, professor da Escola de Serviço Social (ESS/UFRJ) e um dos maiores pensadores sociais do país, iniciou a aula inaugural da Faculdade de Letras (FL/UFRJ), na última terça-feira (14). 

Ao lado de Ronaldo Lima Lins, diretor da FL, José Paulo explicou a escolha do tema “Historiografia Literária Brasileira: Antonio Candido, Nelson Werneck Sodré e Alfredo Bosi”. A opção por essa temática foi, de acordo com o palestrante, uma intervenção político-acadêmica necessária diante do pouco prestígio que a História da Literatura goza dentro da universidade, em especial, entre os estudantes.

O professor ainda justificou a escolha do tema argumentando que o contexto histórico-social é pouco considerado nas análises literárias, o que, segundo ele, mutila a significação cultural das obras. O historiador ao se interessar por uma obra de arte, no caso a Literatura, deseja nela encontrar um mero documento, o que, na concepção de José Paulo, constitui-se em um erro gravíssimo.

José Paulo elegeu Formação da Literatura Brasileira de Antonio Candido, História Concisa da Literatura Brasileira de Alfredo Bosi e História da Literatura Brasileira de Nelson Werneck como obras canônicas, por darem o trato esperado às obras na análise historiográfica da Literatura.

Ele explicou que esses autores são importantes, pois preservam a especificidade estética do momento em que a obra foi escrita, e que não limitam a história como um pano de fundo onde se movimentam os atores. Não foram somente historiadores da literatura, como conseguiram conjugar ao ofício da história com o ofício crítico, ou seja, foram capazes de vincular o solo histórico onde uma história brota a um elemento externo a ela.

– No decurso do século XX a história da literatura brasileira recebeu essas três contribuições que se colocam como referências indescartáveis para se pensar a Literatura brasileira. São autores precoces, que não se omitiram em termos de avaliação e que fizeram análises diferenciadas, considerando que a crítica literária deve ser algo subjetivo, sem medo de equivocarem-se em seus juízos. Obras que são superiormente realizadas no que se refere ao trato documental-sociológico – disse.

O professor destaca a capacidade dessas obras de dialogar com clássicos da sociologia e com todas as fontes da literatura ocidental de forma muito íntima, mostrando uma riquíssima cultura literária pouco encontrada em demais autores. Porém, alertou os calouros para a idéia de que tal intimidade não vem facilmente.

-Todos esses trabalhos não são obras de inspiração, e sim de transpiração, de rigoroso trabalho intelectual sistemático – aconselhou.
 
José Paulo explica que os autores mencionados em sua palestra tiveram destinos diferentes. Antonio Candido acabou por se tornar uma unanimidade nacional em termos de historiografia literária; Bosi é ainda hoje ativo no meio acadêmico e membro da Academia Brasileira de Letras. Sodré, entretanto, é um caso distinto, pois acabou injustamente muito mal falado, e somente agora começa a ser reavaliado nos ambientes acadêmicos.

-São todos exemplos e lições para os jovens intelectuais, com o conselho de que não se fechem em seus mundos e que participem da vida política brasileira. Eis aí obras e autores que nunca mercadejaram suas idéias – finalizou, sucedido de muitas palmas.

Os ouvintes

Estudantes e professores se empolgaram com a aula inaugural. Cinda Gonda, docente de Literatura Portuguesa da FL, elogiou o caráter de resistência da palestra:

-O professor José Paulo trouxe temáticas importantes, como a Política, a História e o Marxismo, para nós. Foi um belo presente neste 14 de agosto -ressaltou.

Marlon Rivera, aluno do 2º período do curso Português-Literaturas, assistiu pela segunda vez uma palestra de José Paulo Netto e, embora tenha saído satisfeito, criticou a escolha do tema. De acordo com o discente, os autores citados pelo professor não são muito conhecidos pelos calouros, alunos que acabaram de entrar para a universidade, para os quais se destina a aula inaugural.

João Henrique, estudante do 6º período, discorda. Para o jovem, a palestra foi voltada para todos que procuram conhecimento:

-José Paulo Netto apresentou autores clássicos. Quem não conhecia essas obras, acabou ficando com vontade de ter acesso a elas – opinou.