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UFRJ homenageia estudantes que resistiram à ditadura militar

Quarenta anos depois, Conselho Universitário da UFRJ rememora episódio que ficou conhecido como o Massacre da Praia Vermelha.

Quarenta anos depois, Conselho Universitário da UFRJ rememora episódio que ficou conhecido como o Massacre da Praia Vermelha. Exposição fotográfica, sessão solene, depoimentos emocionados e descerramento de placa em homenagem aos jovens estudantes – os Rebeldes da Praia Vermelha – que se insurgiram contra a ditadura militar, foram o ponto alto da solenidade.

 Aloisio Teixeira: "A luta pe-
la autonomia continua"

A sessão especial do Conselho Universitário (Consuni) realizada no Auditório Rodolpho Paulo Rocco (Quinhentão), no Centro de Ciências da Saúde (CCS), resgatou um episódio importante da resistência democrática contra a ditadura e a favor da autonomia universitária: a invasão, na madrugada de 23 de setembro de 1966, do antigo prédio da Faculdade Nacional de Medicina (FNM), no Campus da Praia Vermelha, que resultou na depredação do edifício e em agressões a mais de 600 estudantes que haviam nele se abrigado.

 "Sangue, suor e
lágrimas", sintetizou
Paes de Carvalho.

A comunidade universitária pôde reviver um pouco daquele episódio, que ficou conhecido como  “Massacre da Praia Vermelha”. Fotos da época foram expostas no hall do auditório Quinhentão, emocionando muitos dos convidados que participaram, à época, como estudantes ou professores, na resistência àquela agressão à autonomia da universidade.

Durante a exibição do curta-metragem sobre a Invasão da FNM, produzido pela Divisão de Mídias Audiovisuais da CoordCOM, depoimentos e imagens rememoraram o contexto histórico e cultural, assim como a trajetória do movimento estudantil, com a União Nacional dos Estudantes (UNE) à frente, durante a ditadura militar. A luta dos estudantes, aliás, foi ressaltado pelo reitor Aloísio Teixeira, à época estudante e participante do episódio: “o Conselho Universitário homenageia não com uma simples posição festiva. Nós prestamos essa homenagem ao passado, pois a história é a argamassa para a construção da sociedade”.

 Jean Marc: "Lem-
brar o episódio é
uma vacina política"

Sangue, suor e lágrimas, foram palavras utilizadas pelo professor emérito Antonio Paes de Carvalho no curta-metragem exibido durante a rememoração, expressam bem o clima dos anos de chumbo que marcaram a vida do país.
Logo após o reitor abrir a sessão especial do Consuni, Lucas Tramontano, representante do Diretório Central dos Estudantes – DCE Mário Prata – assinalou que o movimento estudantil, nos dias atuais,  se vê diante de grandes desafios: “é preciso romper a apatia e a despolitização, visando ampliar a democracia na universidade. O acesso ao Ensino Superior público ainda é elitizado e faltam condições adequadas de assistência aos estudantes, como bandejão e alojamento”.

O ex-militante da Ação Popular (AP) Jean Marc Von Der Weid, na época estudante da Faculdade de Química, acredita que eventos como esse fazem parte de um esforço necessário para, permanentemente, lembrar o que significou a ditadura. “Acho que é uma espécie de vacina

 Antônio Ledo:"Inau-
gurar idéias compatí-
veis com esse passa-
do de lutas"

política que tem que ser tomada de tempos em tempos para que o problema não volte a acontecer. Esse é o efeito educativo principal, você vacinar o povo contra as tendências ditatoriais”, afirmou Jean.

Antônio Ledo, atual diretor da Faculdade de Medicina, afirmou que a lembrança do episódio expõe questões que dizem respeito a universidade de hoje. “Ele favorece a uma reflexão sobre a autonomia universitária. Chama a atenção para o fato de outras unidades também terem sido afetadas. O desafio é como olhar para esse momento e perceber que foi expressivo e nos permitirmos entender o seu significado no presente para construir um futuro mais promissor, mais adequado para a nossa faculdade. Seguir inaugurando idéias compatíveis com esse passado de lutas”, avalia Ledo.

O decano do CCS, Almir Fraga Valladares, testemunha pessoal dos acontecimentos no dia do “Massacre da Praia Vermelha”, recordou a importância do movimento à época. Para ele, a violência contra os

 Sylvia Vargas lembrou: "A
autonomia há muito não
existia"

estudantes alojados na FNM soou como um brutal recado da ditadura à sociedade, pois reprimia o segmento social que se encontrava mais organizado e que reivindicava direitos essenciais  como a liberdade de expressão e a autonomia universitária.

Sylvia Vargas, vice-reitora da UFRJ, estudante do 4° ano de Medicina à época,  reiterou as afirmações de Almir Fraga e lembrou  que o então diretor da FNM, professor José Leme Lopes, que voltava de viagem à Europa, declarou aos jornais que a autonomia universitária não foi ferida com a invasão das tropas, pois ela há muito não existia.

Para Carlos Nelson Coutinho, cientista político, diretor da Editora da

 "Analisar os fatos
para superá-los",
disse Carlos Nelson.

UFRJ, citando Antônio Gramsci, disse que é preciso refletir sobre os acontecimentos usando-se do “pessimismo da inteligência articulado ao otimismo da vontade”. Fazer, enfim, uma análise realista dos fatos nefastos da época,  mas na perspectiva de organizar uma resistência  a fim de superá-los. “Creio que esse foi o legado da luta que envolveu aquela geração de estudantes”, afirmou Carlos Nelson.

Foi nessa perspectiva que o reitor Aloísio Teixeira assinalou  que, ao viver de perto aquele dia, aprendeu uma valiosa lição: a de não realizar análises mecanicistas da realidade, tão em voga nos “manuais” de então. Para ele, e para muitos, ficou claro que “os professores não eram nosso inimigos, não eram patrões. É verdade que havia uma hierarquia avessa à mudança, arraigada a um conservadorismo acadêmico, mas muitos docentes manifestaram-se solidários às lutas dos estudantes. Graças a essa lutas,  podemos hoje construir ambientes mais democráticos”. O reitor, em seguida, fez um alerta: “ainda não dispomos do estatuto da autonomia e isso não é um problema de governo, mas de afirmação do próprio Estado republicano que se vê ameaçado. É preciso deslocar as questões pelas quais lutaram os integrantes da geração de 1966 para a situação atual, olhando o passado para atuar no presente, a fim de que se tenha um desenlace menos trágico para a sociedade brasileira”.

 A CordCOM lançou, no even-
to, edição da Série Memora-
bilia sobre a invasão da FNM.

Não podendo ficar por muito tempo na solenidade, Vladimir Palmeira, um dos líderes do movimento estudantil na época, se retirou, mas declarou que o episódio do “Massacre da Praia Vermelha” entrou para a história. “Foi um momento decisivo para nós. Quem ficou no movimento estudantil naquela época, permanece até hoje. Aquela foi uma geração que aprendeu na porrada e mudou sua prática política em função disso”, avalia o militante, que atualmente é candidato ao governo do estado.

Ao encerrar a sessão do Consuni, o reitor convidou os presentes a  assistirem ao descerramento da placa rememorativa do episódio que homenageia os estudantes que resistiram às forcas policiais, na primavera de 1966, um momento também de muita emoção.