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Réveillon: uma chance de recomeçar

Com o ano de 2005 chegando ao fim, iniciam-se os preparativos para uma das festas mais celebradas do mundo. Muito mais que mera convenção formal, o Réveillon é resultado da associação de valores culturais e religiosos a diversos marcadores naturais de tempo cíclico, que juntos conduzem a esperança de milhões de pessoas por uma nova chance de recomeçar.

agencia2338T.gifCom o ano de 2005 chegando ao fim, iniciam-se os preparativos para uma das festas mais celebradas do mundo. Muito mais que mera convenção formal, o Réveillon é resultado da associação de valores culturais e religiosos a diversos marcadores naturais de tempo cíclico, que juntos conduzem a esperança de milhões de pessoas por uma nova chance de recomeçar.

Enquanto muitos vêem a comemoração como uma festa pagã, outros marcam sua passagem de ano por vários tipos de rituais que vão desde comer sementes de romã e uvas verdes até oferecer flores para a Rainha do Mar, Iemanjá. É raro ver alguém que prefira vestir preto ao branco na hora da virada ou que coma aves em vez de porco ou de peixe nessa época. O pesquisador Felipe Berocan, do Laboratório de Etnografia Metropolitana do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (LEMetro/IFCS), lembra que o Réveillon comemorado no dia 31 de dezembro tem origens cristãs: “o Ocidente segue o calendário gregoriano, formulado pelo papa Gregório XIII em 1582. Definir instantes no tempo sempre foi importante para estabelecer e cumprir os mais diversos compromissos, é uma forma de poder. Nosso calendário é uma convenção cultural, fixada em princípios da Astronomia. Existem muitos outros, como o muçulmano e o judeu”.

No passado, e até hoje, os homens usavam, de acordo com conveniências da época, três fenômenos periódicos para marcar a passagem do tempo: a noite e o dia, as fases da Lua e as estações do ano. Estes fenômenos são determinados pela rotação da Terra ao redor de seu eixo, a rotação da Lua ao redor da Terra e da rotação da Terra ao redor do Sol (movimento de translação). Estes fenômenos astronômicos ocorrem no vácuo do espaço sideral, com quase nenhum atrito e pouquíssima interferência externa. São muito precisos para todos os efeitos práticos de determinação do tempo. O que atrapalha um pouco, no entanto, é que a relação entre o período de um ano e um dia não é uma relação de números inteiros: o período de um ano, após o qual o Sol repete exatamente sua posição no céu, dura cerca de 365,25 dias. Ao fim de quatro anos, a fração de dia excedente soma um novo dia de 24 horas, que por convenção deve ser acrescentado ao mês de fevereiro, criando-se o ano bissexto (com 366 dias).

Apropriando-nos dos ciclos naturais, comemoramos o Réveillon como um rito de passagem, uma forma de recomeçar o tempo, quando o Sol retorna ao seu “lugar de origem”. “Por ser uma comemoração baseada em aspectos cíclicos naturais, o Réveillon não é exclusividade dos cristãos. As religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda, também celebram a passagem do ano com rituais de purificação e renascimento, através de símbolos e oferendas”, diz Felipe Berocan, chamando a atenção para o misticismo existente em torno das cores de vestimentas para a virada do ano. “São rituais que procuram dar um significado visual às cores de acordo com nossos próprios desejos e crenças. Os exemplos clássicos são o branco, que simboliza pureza e nascimento, e o vermelho, simbolizando a paixão. É interessante ver como os significados se relacionam com determinados rituais religiosos. A Pomba Gira se veste de vermelho durante os cultos, simbolizando o sangue da fertilidade, da menstruação”, afirma o pesquisador.

Mas nem tudo é religião. Mesmo aqueles que se consideram ateus ou desvinculados de crenças comemoram o ano novo. “As proporções do Réveillon atingem todas as esferas da vida social. São valores de renovação que estão presentes em todas as culturas e seguem a própria passagem de tempo cíclico. Na teoria antropológica, consideramos o Réveillon um Fato Social Total, segundo a Teoria de Marcel Mauss, pois engloba diferentes aspectos da vida social. Não podemos esquecer, é claro, dos valores de mercado que foram incorporados à comemoração, como a necessidade de se usar moedas como amuletos de sorte e prosperidade”, lembra Berocan.

Com muitos calendários diferentes, temos muitos Réveillons para celebrar. Leia abaixo exemplos de comemorações que diferem do calendário gregoriano, além de algumas simpatias de ano novo muito difundidas pelo Brasil:

Ano novo judeu

Segundo o Judaísmo, o perdão de Deus veio no décimo dia do ano judaico. Nessa data que é comemorado o Yon Kippur (Dia do Perdão). Dez dias antes, o povo judeu comemora o Ano Novo, chamado Rosh Hashaná, que é na verdade o aniversário do Universo, o sexto dia da criação — quando Deus criou o primeiro homem. Costuma-se distribuir doces para desejar aos amigos que o novo ano seja doce. Nesse ano, o Rosh Hashaná foi comemorado em outubro.

Ano novo islâmico

O ano novo muçulmano inicia-se celebrando a Hégira, no dia 1° do mês de Al-Moharam (junho/julho). O calendário muçulmano mede o ano pelas doze revoluções completas da Lua em torno da Terra e é, em média, 11 dias menor do que o ano solar. A Hégira, fuga de Maomé de Meca, marca o Ano-novo.

Ano novo chinês

O calendário chinês divide-se em 12 meses de 29 e 30 dias, com a compensação de um mês extra a cada dois anos e meio, e anos classificados em ciclos sexagenários, que se subdividem, por sua vez, em grupos de doze, designados com nomes de animais, escolhidos pela lenda como sendo os doze animais que compareceram a uma reunião convocada por Buda. A véspera do ano novo, no 29° ou no 30° dia da 12ª lua, é dia de jantar com a família (Tuan Nian Fan), e no primeiro dia da primeira lua, depois da meia-noite, começam as felicitações entre os familiares e vizinhos. Votos de abundância de dinheiro (Gong Xi Fa Cai), boa saúde (Sheng Ti Jian Kan) e realizações pessoais (Xin Xian Shi Cheng) são as expressões mais usuais. O primeiro dia do ano é para se viver em família e é também o dia do nascimento do Galo.

Simpatias de Réveillon

Para atrair dinheiro: chupe sete sementes de romã na noite de réveillon, embrulhe-as num guardanapo e guarde-as num pacotinho na carteira. Coma também três uvas à meia-noite, fazendo um pedido para cada uma delas. Jogar moedas da rua para dentro de casa também atrai riqueza para todos os moradores.

Para atrair sorte: Dê três pulinhos com uma taça de champanhe na mão, sem derramar uma gota. Depois, jogue todo o champanhe para trás, tudo o que for ruim vai ficar no passado. Quem for atingido pela bebida terá sorte garantida o ano inteiro.

Para ter sorte no amor: À meia-noite, cumprimente, em primeiro lugar, uma pessoa do sexo oposto. Use roupa vermelha na hora da virada.

Para atrair felicidade: O lixo deve ser colocado para fora, assim como todo e qualquer objeto quebrado. Lâmpadas queimadas precisam ser trocadas. Nada de roupas guardadas do avesso no armário. Também não se deve passar o Ano Novo dormindo.