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Memória

85 anos de UFRJ

Janelas, pilares, concreto, argamassa. 294 cursos de graduação, mestrado e doutorado. 43 bibliotecas com quatro milhões de volumes bibliográficos. Autonomia, respeito, história. 86% dos professores com pós-graduação. E portas, muitas portas. Afinal, o que é preciso para se construir uma das maiores e mais renomadas universidades do Brasil? Foi para responder a essa pergunta, e aproveitando o aniversário de 85 anos da UFRJ, que o Olhar Virtual reuniu uma série de dados históricos e depoimentos.

agencia2171T.jpgJanelas, pilares, concreto, argamassa. 294 cursos de graduação, mestrado e doutorado. 43 bibliotecas com 4 milhões de volumes bibliográficos.

Autonomia, respeito, história. 86% dos professores com pós-graduação. E portas, muitas portas. Afinal, o que é preciso para se construir uma das maiores e mais renomadas universidades do Brasil? Foi para responder a essa pergunta, e aproveitando o aniversário de 85 anos da UFRJ, que o Olhar Virtual reuniu uma série de dados históricos, fotos de acervos antigos e entrevistas com integrantes da instituição, bem como o depoimento de ex-alunos que fizeram história tanto na Universidade quanto fora dela. Mas para atingir tal objetivo, foi necessário traçar um paralelo entre o princípio do ensino no país, a criação e estruturação da UFRJ (em suas diferentes denominações) e a situação da mesma inserida no contexto da universidade pública dos dias de hoje.

Dividimos a matéria em duas seções: uma contando um pouco do surgimento da UFRJ, e outra traçando um perfil da Universidade nos últimos 40 anos. Desta forma, procuramos mostrar, sem sobra de dúvida, que estamos tratando dos 4.753.305 m2 mais ricos do país. Veja mais fotos históricas da UFRJ História da UFRJ e do ensino no BrasilDepoimentos de: Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero, professora da Faculdade de Educação Antonio José Barbosa de Oliveira, coordenador de extensão do Centro de Ciências da Saúde UFRJ e a conjuntura recenteDepoimentos de: Aloísio Teixeira, reitor da UFRJ Hélio de Mattos Alves, prefeito da UFRJ Carlos Lessa, professor do Instituto de Economia da UFRJ Rafael Pereira Nunes, aluno diretor do Diretório Central dos Estudantes da UFRJ (DCE/UFRJ) Priscila Simão Marcondes Reis, aluna caloura da Escola de Comunicação – História da UFRJ e do ensino no Brasil A criação de universidades no Brasil enfrentou uma série de empecilhos desde as primeiras tentativas que ocorreram nesse sentido, no século XVI, através do ensino jesuítico. Todos os esforços de criação de universidades no período colonial e monárquico foram paralisados, tanto por parte de Portugal – refletindo sua política colonizadora – como por parte da elite brasileira – com preferência pelos estudos de ensino superior na Europa. Apenas com a vinda da Família Real de D. João VI ao país, em 1808, esse quadro começou a mudar, com a criação de cursos e academias destinados a formar profissionais para o Estado. Mesmo assim, o conceito de universidade como a temos hoje ainda estava longe de ser concretizado. Somente em 1915 houve a disposição oficial a respeito da instauração de uma universidade, através de um decreto que determinava a junção entre as já existentes Escola Politécnica, Faculdade de Medicina e Faculdade de Direito – unidades que possuíam outros nomes na época e funcionavam, até então, como instituições independentes. E foi apoiando-se nesse dispositivo que, no dia 7 de setembro de 1920, o presidente Epitácio Pessoa instituiu, através do decreto nº 14.343, a Universidade do Rio de Janeiro (URJ), berço da UFRJ. Anos 20: efervescência social Segundo a professora Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero, autora dos livros “Universidade do Brasil – das Origens à Construção” e “Universidade do Brasil – Guia dos Dispositivos Legais”, a intensificação da discussão sobre o ensino no país contribuiu não só para a criação da URJ, mas também para uma demanda cada vez maior por um ensino superior de qualidade. “Havia grandes discussões entre as já existentes Academia Brasileira de Ciências e Associação Brasileira de Educação, órgãos que pressionaram o governo a constituir uma universidade de caráter federal, ao contrário das instituições independentes que dominavam o ensino superior no período”, disse a professora, completando que muitos fenômenos políticos e socioculturais, como a Semana de Arte Moderna (1922) e os movimentos tenentistas, também contribuíram para essa demanda. Após a revolução de 1930, com Getúlio Vargas como Chefe do Governo Provisório, surgiu um aparelho de Estado mais centralizador e, com ele, reformas do ensino superior, através do Ministério da Educação e Saúde Pública de Francisco Campos. A URJ foi reorganizada de acordo com os interesses da Era Vargas, que sabia da ausência de inter-relação real entre as faculdades das quais a instituição era constituída, pois seu decreto criador se limitava a estabelecer um nexo meramente jurídico entre elas. Esse aspecto não correspondia à orientação centralizadora do governo federal. Universidade do Brasil e o contexto do Estado Novo Finalmente, em 1937, é promulgada a Lei nº 452, instituindo a Universidade do Brasil (UB): mantida pela união, estruturada através da reorganização da URJ e definida como “uma comunidade de professores e alunos consagrados ao estudo”. É importante lembrar que a mesma lei que criou a Universidade do Brasil também a censurou. Em seus artigos 29 e 30, a Lei nº 452 proibiu aos professores e alunos da Universidade qualquer atitude de caráter político-partidário ou comparecimento às atividades universitárias com uniformes contendo emblemas de partidos políticos, apresentando coerência às diretrizes ideológicas que norteavam a educação durante o Estado Novo. Em relação à idéia da construção de um campus único que concentrasse as atividades da universidade, observa-se que, em 1935, essa iniciativa é colocada em prática, antes mesmo da criação da UB. Foi o que nos contou o professor Antonio José Barbosa de Oliveira, autor da dissertação de mestrado “Das Ilhas à Cidade – A Universidade Visível”, sobre a construção do campus da UFRJ na Ilha do Fundão. “No decorrer dos anos 30, quando Gustavo Capanema estava à frente do Ministério da Educação e Saúde do governo de Getúlio Vargas, as discussões para a construção de uma Cidade Universitária foram intensificadas e, durante mais de uma década, fizeram com que personalidades de todo o mundo da arquitetura, como Marcel Piacentini e Le Corbusier, fossem contratados para apresentarem suas propostas”, afirmou o professor. Comissão discute localização da Cidade Universitária A instalação da primeira comissão de professores para definição do local a se construir a Cidade Universitária discutiu sobre locais como a Praia Vermelha, a Quinta da Boa Vista, a região da Lagoa Rodrigo de Freitas, Niterói, Vila Valqueire e Manguinhos. Após dez anos de estudos – de 1935 a 1945 – chegou-se à conclusão, mediante critérios técnicos, políticos, econômicos e sociais, de que não existia na capital federal local totalmente apropriado para a obra. Desta forma, antes de se construir os prédios da Cidade Universitária, deveria ela mesma ser construída. Paralelo a isso, o atual prédio da UFRJ no campus da Praia Vermelha, na Urca, teve sua função inicial de hospício modificada. O Hospício Nacional de Alienados, assim chamado, foi finalmente transferido da Avenida Pasteur, em 1944, dando lugar, temporariamente, a diversas faculdades e à reitoria da Universidade do Brasil, enquanto o campus do Fundão era construído. No período de 1949 a 1952, através de determinações do então recém-criado Escritório Técnico da Universidade do Brasil (ETUB), nove ilhas próximas a Manguinhos – Pindaí do Ferreira, Pindaí do França, Cabras, Baiacu, Fundão, Catalão, Bom Jesus, Pinheiro e Sapucaia – foram interligadas, totalizando uma superfície de cerca de 4,6 milhões de metros quadrados, para abrigar a Cidade Universitária. Em 1959, o presidente Juscelino Kubitscheck denominou, através do Decreto 47.535, a ilha resultante da fusão do arquipélago original de Ilha da Cidade Universitária da Universidade do Brasil. O campus foi projetado para uma população inicial de 25 mil pessoas, que poderia chegar a 40 mil, entre alunos, professores, funcionários e pacientes do Hospital Universitário, havendo a previsão de habitações para 10 mil alunos e 300 famílias de professores. Obras aceleradas pelo governo Médici Como as obras, apesar de iniciadas em 1954, foram aceleradas em 1970 pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, um dos generais da ditadura militar, existe uma grande polêmica em torno da localização da Cidade Universitária e seu suposto isolamento planejado com o intuito de enfraquecer os movimentos estudantis. Essa alegação é questionada pelo professor Antonio José de Oliveira, que chama a atenção para o longo processo de criação do campus no Fundão. “Claro que a ditadura usufruiu da localização para isolar o corpo estudantil, no entanto a Cidade Universitária tem suas origens localizadas muito antes da ditadura. A trajetória da construção desse campus começa durante o governo constitucional de Vargas, passa pelo Estado Novo, pelo momento após a queda de Vargas, pela sua reeleição em 1951, pela sua morte e, por fim, pelo período do regime militar. Ou seja, a história desse campus está envolvida com a própria história do país, que não se restringe à ditadura”, declarou o professor. Em 1965, o então presidente Castelo Branco encaminhou um projeto de lei que uniformizaria a denominação das universidades e escolas técnicas federais segundo sua localização geográfica, fazendo jus à constante obsessão pela ordem característica da ditadura. Tomando conhecimento desse anteprojeto, o Conselho Universitário posicionou-se contrário à medida, tendo em vista que sua aprovação implicaria na mudança do nome de Universidade do Brasil para Universidade Federal da Guanabara (UFG). No entanto, a medida foi aprovada, e a Universidade mudou de nome pela segunda vez. Somente em 5 de novembro de 1965, é sancionada a Lei nº 4.831, dispondo que a universidade federal situada no Rio de Janeiro seria denominada Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um nome que faz história até hoje. Voltar para o topo – UFRJ e a conjuntura recente Com mais de 46 mil estudantes de graduação e pós-graduação, a UFRJ atualmente se encontra entre as maiores universidades do país, além de oferecer cerca de 3.500 bolsas só para alunos de graduação. Com todo esse peso, a Universidade construiu enorme credibilidade perante a comunidade científica e o mercado de trabalho, garantindo aos seus alunos uma experiência acadêmica positiva, baseada na liberdade de expressão e no estímulo ao questionamento. Mas nem sempre foi assim. Ditadura e censura do corpo universitário Em 31 de março de 1964, tropas das Forças Armadas deixaram Minas Gerais e São Paulo e avançaram sobre o Rio de Janeiro. Os militares deflagraram um movimento para derrubar o então presidente João Goulart, acusado de tramar a favor do comunismo. Após a saída de Goulart, as medidas adotadas em nome da segurança da nação brasileira são praticadas na marra e custam a cassação de direitos políticos, a suspensão da imunidade parlamentar e do multipartidarismo, ampliando os poderes do presidente, eleito indiretamente. O primeiro deles, general Castello Branco, promulgou uma nova Constituição em 1967, institucionalizando a ditadura. A oposição reagiu, os estudantes foram às ruas, e o governo militar endureceu. No dia 13 de dezembro de 1968, desabou sobre o país o Ato Institucional Número 5 (AI-5), do presidente Costa e Silva, fechando o Congresso, suspendendo as garantias constitucionais e individuais, caçando mandatos e suspendendo direitos políticos, no que foi a censura mais brutal da história do Brasil. A partir de então, a Universidade e o Brasil passaram por períodos sombrios. Foi instalada na UFRJ a Assessoria de Segurança e Informações (ASI), subdivisão da Divisão de Segurança e Informações da ditadura militar, que funcionava dentro da Universidade para controlar atividades políticas de alunos e professores, resultando na prisão e no desaparecimento de muitos integrantes do corpo acadêmico. Foi nesse período que muitos militantes do movimento estudantil se rebelaram e ajudaram a mudar a história do país. Alguns desses se destacam até hoje, como é o caso de Franklin Martins, comentarista político da TV Globo, Globonews e CBN. Tendo cursado alguns anos da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRJ, Franklin presidiu o Diretório Central dos Estudantes e participou do Conselho Universitário em uma época de difícil diálogo. Apenas com o fim do regime militar, em 1985, e a redemocratização do país promovida pela Constituição de 1988, esse quadro mudou, e a liberdade antes distante foi ressuscitada. UFRJ: excelência acadêmica Como atual reitor da UFRJ e ex-aluno de mestrado iniciado em 1978, no Instituto de Economia, Aloísio Teixeira pôde presenciar momentos de ebulição e transição da Universidade, além de ser pivô dos rumos da instituição desde 2003. Orgulhoso da grandiosidade da Universidade, Aloísio lista seus diferenciais: “Na última avaliação geral feita pelo Provão, a UFRJ teve 80% de seus cursos de graduação avaliados com nota A. Não hesitaria em dizer que a nossa universidade é a melhor instituição de graduação do país. Além de ser pioneira em termos de pesquisa e ensino, também oferece programas de extensão”. Apesar desses êxitos, o reitor reconhece que existem problemas na Universidade. “O sistema federal de ensino foi intensamente desfinanciado ao longo dos anos 90, resultando no déficit de funcionários e professores e em falhas em algumas instalações. Esses problemas não dependem da capacidade de decisão da Universidade ou da Reitoria, pois são resultados de políticas equivocadas, e só podem ser solucionados com melhores investimentos”, declarou Aloísio, afirmando que o orçamento de 2005 direcionado pelo governo Lula para a UFRJ, apesar de maior do que o dos últimos anos, permaneceu insuficiente para as demandas da instituição. Outro ilustre defensor da universidade pública é Carlos Lessa, professor do Instituto de Economia, ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ele lembra, em nostalgia, de sua época de estudante na UFRJ, na então Faculdade Nacional de Economia: “Apesar do momento político de tensão, a convivência entre os estudantes era espetacular. Eu era ativo nos movimentos estudantis da época, no entanto era um pouco mais conservador do que a maioria dos meus colegas. Lembro-me de participar da campanha ‘O Petróleo É Nosso’, e fazia parte do Clube da Vassoura, uma associação cômica de defesa de Jânio Quadros”. Quando questionado sobre a conjuntura da universidade pública no país, Carlos Lessa foi categórico: “A universidade deve, por definição, ser pública. Conhecimento não é mercado, portanto instituição de ensino e pesquisa deve ser aberta. É a verdadeira janela para o futuro”. Universidade pública de qualidade Rafael Pereira Nunes, aluno da Faculdade de Letras e um dos diretores do Diretório Central dos Estudantes da UFRJ (DCE/UFRJ), acredita na mobilização de todo o corpo da Universidade para, desta forma, fazer da educação pública uma das prioridades do governo Lula. “Em termos de ensino, pesquisa e extensão, a UFRJ é uma instituição de excelência, portanto vem sendo injustiçada pelo sucateamento das universidades públicas promovido pelas políticas federais. Somente com uma greve de eixos políticos fortes pode reverter esse quadro”, diz o estudante. Mesmo com a escassez de recursos, o prefeito da UFRJ, Hélio de Mattos Alves, afirmou que a Universidade está longe da paralisação estrutural: “Essa reitoria enfrenta graves problemas de infra-estrutura decorrentes da falta de recursos. No entanto, esses empecilhos históricos estão sendo contornados aos poucos, através da melhoria da qualidade de vida nos campi da Universidade, investindo em segurança, transportes, alimentação e outras frentes”. A UFRJ, com cerca de 3.500 bolsas para alunos de graduação e pós-graduação, projetos inovadores de natureza científica, artística e cultural, e renome de projeção nacional, continua atraindo estudantes de todas as partes do país. Para o vestibular 2006, foram cerca de 50.000 inscritos, superando o número de candidatos do último concurso. A aluna Priscila Simão Marcondes Reis, caloura da Escola de Comunicação da UFRJ, foi uma das recém ingressas na instituição: “Escolhi a UFRJ porque sabia de sua boa reputação em termos de ensino. Além disso, na minha opinião, os alunos de instituições federais são mais dedicados. Não é a toa que, mesmo com os problemas de infra-estrutura que a UFRJ enfrenta atualmente, ela ainda possui alguns dos concursos mais concorridos do país”. Nessa quinta-feira, dia 8, será realizada uma cerimônia de comemoração dos 85 anos da UFRJ, às 10h, no Salão Pedro Calmon do Forum de Ciência e Cultura, com a presença do reitor, dos pró-reitores e inúmeros integrantes do corpo da Universidade. Também haverá um discurso da professora Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero, sobre o encaminhamento histórico da instituição. O evento conta com a presença de professores, alunos e funcionários, sendo, com certeza, uma oportunidade única de reunião de algumas das mentes mais brilhantes do Brasil. 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