Considerado um dos recursos mais influentes para a difusão de conhecimentos, capaz de resistir a séculos e a diferentes tecnologias, o livro segue ocupando seu espaço em meio a tanta modernidade. Atualmente, além do tradicional papel, é notável o crescimento de publicações em outros formatos e modelos de leitura.
De acordo com a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores Brasileiros (Snel), na última pesquisa realizada pela Nielsen, divulgada em maio de 2022, os livros digitais representaram 6% das vendas gerais do mercado editorial, totalizando 9,4 milhões de unidades comercializadas. Esse número, apesar de inferior ao de livros físicos, segue crescendo desde 2019, quando o primeiro levantamento foi realizado.
Desse modo, o Dia Mundial do Livro e dos Direitos Autorais, comemorado no último domingo, 23, se apresenta como uma oportunidade para refletir sobre a importância do instrumento no cotidiano. A data, instituída em 1995 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), também é uma maneira de homenagear William Shakespeare e Miguel de Cervantes, dois grandes autores falecidos quase no mesmo dia.
Para embarcar nessa aventura literária e compreender melhor este panorama, o Conexão UFRJ conversou com Eduardo Coelho, professor e pesquisador da Faculdade de Letras da UFRJ. Para ele, o livro é uma máquina extraordinária de possibilidades, principalmente quando comparado, por exemplo, a outras invenções de registro, como CD e DVD. Afinal, o livro segue presente no cotidiano de nossa sociedade, resistindo a uma suposta obsolescência e à temporalidade, apesar das poucas mudanças desde sua criação. Confira a entrevista a seguir:
Conexão UFRJ: Tendo em vista o surgimento de novas tecnologias durante os últimos anos e os novos formatos atribuídos ao livro, você acha que a leitura e a maneira como enxergamos esse objeto mudou com o tempo?
Eduardo Coelho: O que eu acho que mais mudou nesse processo é a maneira de se fazer o marketing do livro. Isso mudou radicalmente durante a pandemia. O livro em si mudou muito pouco. É até interessante pensar: “Por que o livro mudou tão pouco apesar de tudo que vem despontando de inovação?” Durante séculos e séculos, o livro não mudou nada porque é uma invenção extraordinária de conservação e preservação.
Conexão UFRJ: Quais foram as principais mudanças do marketing do livro neste período?
Eduardo Coelho: A pandemia catalisou um processo que ainda não estava muito acelerado. Essa mudança no marketing digital do livro aconteceu por diversas razões. Primeiro porque as redes sociais permitem um “boca a boca” impressionante, impactando diretamente as vendas. Além disso, os autores ficaram mais disponíveis para os leitores, o que eu acho que é um fenômeno interessante. É quase possível perceber que autores que vendem muito estão mais acessíveis nas redes sociais.
Conexão UFRJ: Então você acredita que o surgimento desses novos espaços, permitindo uma aproximação entre autores e leitores, atua como uma porta de entrada para o hábito da leitura?
Eduardo Coelho: Com certeza. Mas isso não vem de hoje. Eu lembro que no início do meu mestrado os blogs eram a grande questão, porque a gente passava a acompanhar o processo de criação dos livros por lá. Aquilo mudou a nossa relação com a leitura. O blog era como um diário do escritor e nós podíamos acompanhar cotidianamente o processo de criação de uma obra. Dessa maneira, a leitura e o compartilhamento de poemas no Instagram, por exemplo, servem como ótimas vias de entrada para a leitura de poemas em livros.
Conexão UFRJ: Atualmente, além dos livros físicos, os e-books e os audiobooks têm caído na graça do público pela sua praticidade. O que você acha dessa novidade?
Eduardo Coelho: É interessante pensar o audiobook como uma novidade, porque no século XIX essa prática já era muito comum. Como nem todo mundo tinha seu próprio exemplar numa família, as mulheres, de modo geral, pegavam um livro e os filhos ficavam ali escutando. É essa ideia da leitura compartilhada. As rodas de leitura em famílias burguesas era uma coisa muito típica do século XIX. Por isso, eu enxergo os audiobooks como maneiras de revisitar e atualizar hábitos antigos com a literatura, mas não necessariamente uma novidade. Está mais relacionado com a contação de histórias do que propriamente com a literatura em si.
Conexão UFRJ: Quais são os benefícios que você destacaria dessa revisão de hábitos antigos com a literatura?
Eduardo Coelho: A leitura em voz alta presente nos audiobooks, por exemplo, pode parecer simples, mas é uma prática fundamental para o desenvolvimento do ser humano. Na infância, além de exercitar a imaginação, essa atividade atua como um dispositivo recheado de ritmos e sons, que auxiliam o bebê na assimilação da linguagem e no combate ao déficit cognitivo. Aliás, acho que o mercado deveria passar a investir mais em audiobooks para crianças.
Conexão UFRJ: Além da praticidade, você acha que a busca por leituras digitais também está relacionada com o preço do livro físico no Brasil?
Eduardo Coelho: Eu acho que tem uma relação com o preço, sim. O livro no Brasil é muito caro e, sobretudo nos últimos anos, aumentou muito se a gente levar em consideração o salário mínimo. Nesse caso, o PDF desponta como uma oportunidade de burlar esse problema, porque além de não se pagar nada, geralmente é muito prático e imediato ter acesso a esses arquivos. No entanto, as bibliotecas públicas, a exemplo da Faculdade de Letras, com um acervo extraordinário, podem atuar como uma grande aliada dos leitores. A ocupação desses espaços é fundamental.
Conexão UFRJ: Pensando no ambiente educacional, como a ocupação desses espaços pode influenciar no cotidiano do estudante?
Eduardo Coelho: De inúmeras maneiras. Há o exemplo de uma escola municipal, localizada no bairro da Penha, com um índice ótimo no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica]. Quando consultaram a escola para saber o que ela havia feito de diferente para os estudantes terem índices tão bons de desenvolvimento, o que se falou foi: “Olha, a gente deixa a biblioteca aberta e uma vez por semana a turma tem que ficar um tempo de aula, durante uma hora, dentro daquela biblioteca, e cada aluno escolhe a sua leitura e lê o que quiser.” Só essa leitura, realizada durante uma hora por semana, já consiste num desenvolvimento incrível.
Conexão UFRJ: Com o isolamento social, a ideia de leitura compartilhada também ganhou um outro formato com os clubes de leitura, que se encontravam periodicamente por chamadas de vídeo. Por que você acha que essa prática voltou a aparecer com tanta frequência?
Eduardo Coelho: Em um momento de isolamento, em que a gente teve menor possibilidade de socialização, o livro se manifestou como uma possibilidade de restaurar uma relação com a alteridade, uma relação com outro que havia sido perdida. Então, a partir do status de aprofundamento e de conhecimento, o livro também permite uma relação com o desconhecido.
Ao se conhecer o desconhecido, há um movimento de autoinvestigação nesse processo de leitura. Então os clubes de leitura aparecem como uma oportunidade de compartilhar experiências. A ideia desses clubes é a de compartilhar o que se sente, o que se entende e o que se percebe durante aquela leitura.
Eduardo Coelho, professor e pesquisador da Faculdade de Letras da UFRJ
*Esta reportagem é resultado das atividades do projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ: Jornalismo, Ciências e Cidadania e contou com a supervisão da jornalista Tassia Menezes.