Carl von Clausewitz, no século XIX, asseverou que a “guerra era a continuação da política por outros meios”. No século XX, Michel Foucault inverteu esse aforismo e disse que a “política é a continuação da guerra.” Certamente, ambos concordam que existe uma relação direta entre política e guerra e é isso que estamos vendo na invasão da Ucrânia pela Rússia, em pleno século XXI. Particularmente, nesses dois países, existem relações próprias entre guerra e política.
Durante a Primeira Guerra, o czar russo, Nicolau II, enviou soldados para o front, não raro, sem comida suficiente e nem mesmo armamentos em condições de uso. Ademais, o czar impunha uma grande ditadura aos seus governados. Naquele momento, não existiam direitos sociais, nem regulamentação da jornada de trabalho. Os salários eram baixíssimos e as condições de vida eram péssimas para os que não eram nem proprietários de terras, nem pertenciam às elites governamentais. Simultaneamente, a realeza demonstrava altíssimo padrão de vida às custas dos rígidos tributos impostos aos trabalhadores.
Em 1917, com a Rússia quase completamente destruída, os soldados que voltaram da guerra aproveitaram para entrar nas fileiras revolucionárias dos diferentes grupos insurgentes do país. Por dignidade, direitos e contra a guerra, a população apoiou a Revolução Russa. Durante todo o processo revolucionário, as elites se organizaram e, com ajuda de exércitos do ocidente, tentaram uma contrarrevolução, dando início a uma guerra civil que durou até 1921. As tropas revolucionárias contaram com um apoio fundamental vindo exatamente da Ucrânia. Revolucionários anarquistas sob a liderança de Nestor Makhno formaram o exército negro e foram essenciais na expulsão das tropas contrarrevolucionárias.
Depois dessa vitória e da ratificação do poder nas mãos do partido bolchevique, o nascente exército vermelho, sob a premissa de centralização do poder, decidiu desarmar, combater e prender os rebeldes revolucionários do exército negro. Foi um dos passos para a consolidação do poder bolchevique e sua consequente centralização e autoritarismo.
Hoje, quando vemos Vladmir Putin de dentro do seu palácio, quase de “cristal”, decretar guerra contra a Ucrânia, enviando soldados para matar e morrer, visando à centralização do poder e à subordinação ucraniana, nos faz lembrar das ações do czar e dos bolcheviques.
Resta saber se os soldados de Putin tomarão alguma medida quando voltarem da guerra. Atualmente, na Rússia capitalista, inexiste a liberdade de imprensa, não há pleno emprego, os salários e as condições de vida da maioria da população são ruins, e os que protestam são prontamente detidos pelas forças de repressão. Será que o povo russo está fadado a viver sob autoritarismos ou conseguirá se livrar de mais uma ditadura centralizadora e militarista? Como acredito na premissa de Nelson Rodrigues, segundo a qual toda unanimidade é burra, tenho ampla desconfiança da invasão da Ucrânia aprovada, por unanimidade, pela Duma − o parlamento russo. Desejo ter esperança num futuro sem guerra e sem opressões. Retirar governos autoritários que fazem a guerra, que a apoiam, ou silenciam diante da iminente morte de milhares de pessoas, é o primeiro passo.
Wallace de Moraes é doutor em Ciência Política e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ