Um estudo do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) mostra que, em 2004, o perfil do profissional de serviço social era representado majoritariamente por mulheres brancas heterossexuais e católicas, de 35 a 44 anos. No entanto, quase 20 anos depois, as políticas afirmativas e de inclusão têm transformado essa realidade. Atualmente, os alunos da Escola de Serviço Social (ESS) apresentam maior diversidade racial e de gênero, o que mostra a tendência de mudança na imagem futura dos profissionais da área.
Com essa transformação no dia a dia da faculdade, pautas das chamadas minorias sociais começaram a ser debatidas entre intervalos e nos corredores, aumentando a demanda pela inserção dessas temáticas no currículo do curso. Como consequência do cenário, no dia 10/1, a Congregação da ESS aprovou por unanimidade a alteração de algumas disciplinas da grade curricular, com o intuito de inserir o debate étnico-racial na formação de profissionais cujo público-alvo principal é de pessoas negras.
O Coletivo de Negros e Negras Dona Ivone Lara, que representa estudantes da ESS, foi um dos responsáveis pelo início desse processo. Tendo como precedente a criação da disciplina Questão de Gênero e Serviço Social, em 2008, após demanda da comunidade, o coletivo fez uma mobilização para que o mesmo ocorresse no campo das questões raciais. A partir do movimento, foi instituído um grupo de trabalho paritário, formado por três professores e três estudantes, que concluiu que apenas uma nova ementa não daria conta de abordar a relevância do tema. Dessa forma, foi apresentada proposta em que quatro disciplinas teriam suas bases alteradas, ainda que sem mudança de carga horária.
A professora Mirella Rocha, coordenadora do curso de graduação em Serviço Social e uma das integrantes do GT, defende que era realmente necessário mudar algumas disciplinas-chave, em vez de apenas inserir uma nova que tratasse do assunto. “As relações étnico-raciais tratam de temas que abrangem a questão social, que é a chave do currículo. A maior parte dos nossos alunos hoje é de negros e periféricos, e nós trabalhamos com um público que também é majoritariamente preto e periférico. Assistência social no Brasil é voltada, cerca de 80%, para a população negra“, explica ela.
Assim, após a aprovação da proposta, as disciplinas Trabalho e Questão Social, A Questão Social no Brasil e Identidades Culturais e Serviço Social foram transformadas, respectivamente, em Trabalho e Questão Social no Brasil, Relações Étnico-Raciais e Serviço Social no Brasil e Sociedade, Cultura e Identidades. Política Social e Serviço Social III − Saúde permaneceu com o mesmo nome, tendo apenas a ementa alterada.
De onde vem e para onde vai
A origem da formação em Serviço Social no Brasil surgiu na década de 1930, durante a Era Vargas. Com o movimento de industrialização no país e a chegada dos imigrantes italianos, a nova profissão tinha como objetivo aumentar a atuação do Estado por meio de políticas públicas. No entanto, a população negra, que muito recentemente havia sido liberta do regime da escravização e sofria com diversas audiências da parte do governo, não era levada em consideração nesse movimento.
Para Lílian Barbosa, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, a gênese da profissão possuía formação focada na imagem das damas da caridade, representada por mulheres da elite. “O Serviço Social surge branco, no auge da eugenia, com o objetivo de fazer o controle social. Os usuários eram as pessoas humildes, vistas como desajustadas. O perfil dos assistentes sociais ser branco e feminino tem tudo a ver com o contexto de cuidar: o ‘belo, recatado e do lar’”, diz.
A pesquisadora alerta, no entanto, que as mudanças que têm acontecido com a chegada das políticas afirmativas não resolvem definitivamente o problema do racismo e de falta de representatividade no setor, pois elas não garantem a formação nem presença no mercado de trabalho. “A gente tem um número significativo de pessoas negras na graduação, mas isso não se reflete nas pós, nem no corpo docente. É olhar esse perfil e não se iludir que esse profissional consegue concluir e se inserir no mercado”, afirma Lílian.