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Como será o amanhã?

O diretor do Complexo Hospitalar da UFRJ, Leoncio Feitosa, e o sanitarista José do Vale assinam artigo

O impacto sanitário, social e econômico da pandemia COVID-19 atingiu quatro pilares de valores do ideal de vida da atual civilização: a liberdade individual, a preservação da vida, a possibilidade de consumir serviços e bens e a capacidade de produzir riqueza.

As crises sanitárias, desde o início do século XX, ensejaram reformas urbanísticas e procuraram equacionar as questões de saneamento básico e oferta da água tratada, embora com baixa eficácia em países considerados em desenvolvimento. Além disso, criaram estruturas mutualistas (caixas de assistência) entre os trabalhadores para serviços médico-hospitalares e até iniciaram programas de controle de endemias e epidemias, como a varíola e a febre amarela.

Simultaneamente, a partir da chamada Revolução de 30 e com o crescimento do estado de bem-estar social, após a Segunda Guerra Mundial, coube ao Estado o papel de indutor, fiscalizador da lei e mediador de uma série de ações no campo dos direitos trabalhistas, da organização social e do bem-estar social.

No entanto, desde então, há um conflito permanente entre Estado forte, capaz de desenvolver as forças produtivas promovendo o bem-estar geral e individual, e um Estado mínimo, de natureza liberal, que apenas regula os movimentos dos entes privados numa perspectiva da “autorregulação” de forças sociais e econômicas naturalmente desiguais e assimétricas. Contudo, os defensores do Estado mínimo, quando em crise, ou não, exigem o Estado forte para proteger suas riquezas, seus lucros. Por exemplo, exigem do governo pesada taxação na importação de produtos mais baratos, ou seja, defendem seus lucros em detrimento do bem-estar da população, como se vê, sobretudo, no setor industrial e do agronegócio.

Essa postura, num país em desenvolvimento, tem outro efeito regressivo: a impossibilidade de elaborar uma diretriz nacional que proteja os recursos naturais, os patrimônios mobilizáveis em recursos essenciais, a autonomia financeira e a tecnológica e a própria soberania nacional, um marco histórico, crítico, num mundo não igualitário.

Neste contexto de pandemia, observamos um grande esforço das estruturas públicas de saúde − o Sistema Único de Saúde (SUS) − ao agregar recursos do Ministério da Saúde, das secretarias estaduais e municipais de saúde, das universidades públicas − sobretudo das federais − e dos institutos que atuam no setor. Todos, mesmo com redução de seus orçamentos, empenham-se em pesquisas para o conhecimento e o tratamento da COVID-19, investindo em produção de kits diagnósticos, álcool 70%, máscaras etc.

Não podemos esquecer o poderoso e bem-vindo engajamento da mídia nacional, informando e explicando à sociedade brasileira as melhores condutas e comportamentos de combate ao vírus. Assim, vem ajudando a reduzir angústias e medos da nossa população. Ademais, temos assistido a renovados elogios, por meio de generosos e merecidos aplausos aos trabalhadores da saúde, dentre outros, por parte do poder constituído. Cabe lembrar que a média salarial desses trabalhadores públicos se compõe de um terço da média salarial dos funcionários do Judiciário e do Legislativo.

Como será o amanhã? O poeta Augusto dos Anjos nos alertava: “A mão que afaga é a mesma que apedreja”.

É imperativo que os políticos, os gestores e a sociedade como um todo entendam o que é o SUS e o seu fundamental papel na promoção, prevenção de doenças e recuperação da saúde dos brasileiros. E com sinceridade reavaliem seu subfinanciamento, suas formas de gestão e o resgate da importantíssima premissa do controle social. Em momentos graves como este, é o SUS que nos socorre e salva vidas. É vergonhoso para uma nação conviver com tamanha concentração de renda, onde 1% da população tem patrimônio maior que a soma do patrimônio dos 100 milhões mais pobres deste grande país.

E amanhã, como será?

Leoncio Feitosa, diretor do Complexo Hospitalar da UFRJ, e o sanitarista José do Vale assinam o artigo