Em 10 minutos caminhando ao lado de Dani Balbi pelo prédio da Faculdade de Letras, é possível perceber como ela é querida e conhecida no lugar. Afinal, são doze anos estudando na Universidade, entre graduação, mestrado e agora o doutorado, que a fará, em alguns meses, tornar-se a primeira mulher trans com o título de doutora em Letras pela UFRJ.
Um dos muitos encontros que acontecem pelo caminho é com uma amiga, que segue conversando com Dani até a sala de aula que está liberada para a nossa entrevista, no segundo andar do prédio. Dani contaria, minutos depois, que, no breve diálogo que tiveram, recordaram-se da seguinte frase da filósofa norte-americana Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Dani é, certamente, uma mulher de movimento.
Vinda de uma família definida por ela como paupérrima, do bairro de Engenho da Rainha, Zona Norte do Rio de Janeiro, Danieli Balbi iniciou aos 15 anos sua luta no movimento estudantil. Na ocasião, o Passe Livre garantido aos estudantes de escolas públicas estava ameaçado e, sem ele, Dani não poderia continuar seus estudos na escola técnica que frequentava. Aquela situação a colocou em contato com a militância que, 14 anos depois, faria com que ela assumisse o desafio de encarar a candidatura à deputada estadual pelo Rio de Janeiro. Segundo ela, a campanha foi uma consequência desta luta de tantos anos: “Quando eu me percebia como mulher, quando me defrontava com a transfobia, quando ser negra cerceava meus espaços de atuação, percebia que eu precisava militar nessas frentes, me organizar com os demais e ser uma voz de atuação política”, explica.
Hoje, mesmo sem a aprovação nas urnas, ela segue se movimentando, atuando como assessora parlamentar da Comissão das Mulheres, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Para Dani, o aumento das mulheres negras na política e nos espaços de poder é resultado de uma necessidade histórica de protagonismo delas, a fim de que a sociedade se movimente radicalmente e estruturalmente, como aponta a frase de Angela Davis.
Marielle Franco: figura emblemática
Para a doutoranda, o melhor resultado que se tem deste movimento de reconquista do sentido de democracia é a vereadora Marielle Franco, executada com quatro tiros no dia 14/3/18, quando retornava de um compromisso do seu mandato. Faltando dois dias para completar um ano do crime, dois suspeitos foram presos, um PM reformado e um ex-PM. Dani associou o crime justamente ao espaço de poder que a vereadora então ocupava e a falta de respostas — até então os suspeitos não haviam sido divulgados — a uma possível proteção gerada pela institucionalidade, seja da polícia, seja da política.
O grau de importância da figura de Marielle e sua estatura política são reafirmados por ela: “Quando uma mulher ocupa esse espaço do poder, uma mulher preta, periférica, uma mulher LBT, ela arranha e incomoda profundamente o status quo”.
“Luta diária por sobrevivência”
Além de sua atuação na política, Dani Balbi está nos últimos meses do doutorado em Ciência da Literatura, no qual se debruça na pesquisa sobre a categoria trabalho na literatura contemporânea, que tem como objetivo movimentar a política. Ela também encaixa seu tempo com o magistério, adentrando a sala de aula para construir o conhecimento junto aos seus alunos, respeitando as ideologias conflitantes.
Para Dani, expor para os seus alunos as suas ideologias e convicções, abrindo espaço para o diálogo, é o caminho para evitar que suas aulas não sejam o que chamam de “doutrinação ideológica”. Assim, ela busca empoderar seus alunos, para que eles possam questionar e dividir as próprias crenças. “Todas as pessoas estão eivadas por ideologias. E as minhas eu compartilho. Eu recebo muito os meus alunos. Acho que fazer da sala de aula um espaço democrático é um esforço muito grande, é um esforço também que de certa maneira rearranja o esquema professor-aluno, o esquema de autoridades.”
E, assim, ela segue rearranjando, na necessidade de encontrar espaço para outras existências que, como a sua, são vítimas de cerceamento. É uma luta que encontra eco no coletivo de outras mulheres, nas populações negras e nas populações LGBTs.
“Ser mulher já é difícil, e todas são atravessadas por um monte de questões. Ser mulher negra é muito difícil em uma sociedade escravocrata. Ser uma mulher trans numa sociedade que, por diversos expedientes, constrói ódio e legitima o assassinato de corpos LBTs é uma luta diária por sobrevivência”, conclui.
Veja o vídeo com a professora e ativista Dani Balbi na WebTv da UFRJ.
Leia as outras matérias da série Intelecta:
[Luciana Calixto] Uma liderança em ascensão
[Rosa Magalhães] A imperatriz do carnaval