O professor Antônio Guerreiro, crítico literário do jornal português Expresso, discorreu sobre a obra de Aby Warburg no campus da Praia Vermelha. A palestra, que aconteceu nessa terça-feira (2/10) na Escola de Comunicação, foi realizada por meio de uma parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura da UFF e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRJ.
Entre 1933 e 1998 praticamente não houve avanço na edição da obra de Warburg. De acordo com Antônio, isso se deve à dificuldade do próprio historiador de organizar seus pensamentos no papel. “Às vezes ele deixava cem, duzentas páginas de notas para cada página de texto que escrevia”, contou. No entanto, o professor avalia que nos últimos anos o interesse por Warburg tem crescido, sobretudo na Itália e na Espanha, fenômeno que ele denomina “renascimento warburguiano”.
Aby Warburg não escreveu livros completos. Uma de suas poucas obras publicadas, O Ritual da Serpente, é a transcrição de uma conferência realizada pelo pensador durante sua internação na clínica psiquiátrica Bellevue, situada na Suíça, mesmo local em que o filósofo Friedrich Nietzsche esteve internado. “Ele ministrou a conferência para os outros pacientes para provar que estava saudável”, relatou Antônio.
Na palestra que originou O Ritual da Serpente, Warburg descreveu sua pesquisa sobre os índios Pueblo, do Novo México. Antônio alertou que uma leitura imediata poderia indicar que o historiador se colocava no papel de antropólogo, mas suas intenções eram diferentes. O que interessava a ele era o estatuto da cultura ocidental. Em outras palavras, Warburg pretendia pensar sua própria cultura a partir do estudo de uma cultura, em muitos aspectos, distante.
O pesquisador descobriu, na tribo, a existência de um polo racional e um polo mágico. Para ele, essa vida entre a magia e a razão dava aos índios uma capacidade “mitopoética”, por meio da qual usavam os símbolos para dominar e orientar o caos. Um exemplo desses símbolos é a serpente, que pode matar e curar, por conter o veneno e o antídoto. Segundo Antônio, essa pluralidade simbólica é fundamental para o conceito de Warburg de “sobrevivência”, isto é, as imagens teriam uma relação com a memória histórica que nelas está inscrita.
Segundo o professor, Warburg entendia as imagens como um lugar de cristalização – elas permanecem as mesmas, mas seu significado pode ser alterado. Seu interesse nas imagens vinha da sua expressividade, da vida em movimento que se encontrava nelas. Ele acreditava que a humanidade tinha um estoque de marcas traumáticas impressas, que podiam estar adormecidas e ser reativadas, conforme a sociedade progride. Antônio usa como exemplo a ninfa, imagem da Antiguidade pagã resgatada no Renascimento italiano.
A partir das ideias formuladas na convivência com a tribo, Aby Warburg chegou à conclusão de que nossa cultura também sempre viveu entre o mágico-religioso e o lógico-racional. Essa oposição marca toda a História e, em sua concepção, torna a sociedade ocidental “esquizofrênica”. “A esquizofrenia da sociedade, para ele, é interna e não tem solução”, afirmou Antônio. “Não se caminha no sentido da cura.”
A conferência na clínica psiquiátrica terminou, então, com um diagnóstico. Warburg atestou que a civilização das máquinas estava destruindo o que a ciência natural havia conquistado, e a tecnologia estava causando um triunfo da racionalidade sobre o pensamento mítico. Para ele, os índios Pueblo não eram homens primitivos, que confiavam somente em seus sentidos, nem dependentes do progresso tecnológico como o homem europeu. “Entre o homem selvagem e o homem racional, situa-se o homem das interconexões simbólicas”, declarou.