Representantes do Comitê Técnico do Plano Diretor (CTPD) 2020 receberam, na última sexta (17/12), integrantes das entidades de classe e professores de unidades da UFRJ, no salão do Conselho Universitário. O motivo foi um debate sobre a criação de uma política cultural para a universidade, a partir da reincorporação dos terrenos outrora ocupados pela casa de shows “Canecão” e o “Bingo Botafogo” ao patrimônio público sob responsabilidade da universidade. “A discussão é mais ampla do que a simples utilização das duas áreas. Trata-se de definir as diretrizes para uma política cultural para a instituição. Por isso estamos aqui: escutar aqueles que produzem cultura na UFRJ”, disse Pablo Benetti, presidente do CTPD, ao abrir o encontro.
Benetti citou, em linhas gerais, o que as propostas do Plano Diretor preveem para a área localizada no campus da Praia Vermelha: complexo cultural para toda a cidade em parceria com outras universidades, ocupação do Palácio Universitário para uso exclusivo de atividades culturais e a construção de um hotel-escola. O dirigente também admitiu ainda que “existe uma pressão enorme da classe artística para aproveitar a área do antigo Canecão para atividades culturais”.
Isabel Azevedo, assessora especial da Pró-Reitoria de Extensão (PR-5), apresentou um mapeamento das unidades que atuam na área da Cultura e divulgam Ciência na universidade, como o Fórum de Ciência e Cultura, Casa da Ciência, Museu Nacional, Escola de Comunicação, Escola de Música, Escola de Educação Física e Desportos, através do curso de Dança, Faculdade de Letras, entre outras. “Acredito que devemos pensar em dois eixos: a partir da definição de uma política de cultura para a UFRJ e da inserção da universidade na vida cultural da cidade. Os dois espaços devem servir a toda a sociedade”, defendeu.
A dirigente propôs a ocupação imediata do antigo Bingo com atividades que já fazem parte do calendário da universidade e possuem financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), órgão vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), como atividades organizadas à Casa da Ciência, localizada ao lado da referida área. Isabel apresentou um projeto, de caráter provisório, que inclui a instalação de um espaço multiuso para atividades de teatro, música, dança e cinema; café e área para apresentações de cultura popular. “Temos um patrimônio importante e podemos pensar como articular todas as demandas da universidade, de forma interdisciplinar, sem perder o diálogo com a sociedade civil”, disse. “Há cerca de 20 anos, a UFRJ tinha uma intensa programação cultural itinerante por toda a cidade: apresentações na Cinelândia, nas estações do metrô, entre outras. Fomos gradualmente perdendo esse fôlego, mas sinto que esta é a grande chance de retomarmos”, lembrou a assessora especial da PR-5.
Financiamento
Carlos Vainer, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) e membro do CTPD 2020, ressaltou o esforço do comitê em estabelecer diretrizes para uma política cultural para a universidade e para os usos e vocações dos espaços do campus da Praia Vermelha, sem, no entanto, impor projetos específicos. “O Plano Diretor está a serviço da universidade. Consideramos que a cultura é uma esfera de ação fundamental para a UFRJ e a retomada desses espaços representa uma grande conquista para todos nós da universidade e do Rio de Janeiro”, enfatizou antes de apresentar a proposta da construção de um espaço cultural para a área. Batizado preliminarmente de “Arena Minerva de Música e Arte” (Amma) ou “Minervão”, o espaço teria como princípios o caráter público, artístico, cultural e de cooperação com toda a cidade, além do compromisso com a formação artística e com a escola pública. Vainer destacou ainda que o espaço “deve ser auto-financiado, sem onerar outras áreas da UFRJ”; que sejam fechadas parcerias com outras instituições e que os recursos empregados sejam oriundos da própria receita dos espetáculos realizados no local.
A proposta agradou parte dos presentes, que fizeram adendos e sugeriram ressalvas. “Considero bom o projeto, mas acredito que devemos rediscutir o orçamento da UFRJ. Há setores com muitos recursos enquanto outros estão à míngua. Há muito tempo a universidade vê como ‘gasto’ o investimento em cultura, setor que não considera ‘sério’ o suficiente”, afirmou Eleonora Ziller, diretora da Faculdade de Letras (FL), que propôs ainda a criação de um grupo de trabalho amplo para a discussão.
Maria José Chevitarese, professora da Escola de Música (EM), também lembrou a falta de recursos por que passa a unidade. “Acho que estamos diante de uma grande oportunidade, mas de um grande desafio também, pois a questão do financiamento é muito séria. Nós, da Escola de Música, trabalhamos em condições precaríssimas. Não temos dinheiro para as atividades fim, o que dirá para as demais?”, questionou a docente, que também sugeriu a criação de parcerias para viabilizar projetos para a área, com empresas como a Petrobras.
Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação (ECO), sugeriu um diálogo com outras instituições gestoras de cultura na cidade, para que a UFRJ adquira expertise na área. “Acho que, hoje, o estatuto da universidade não está preparado para administrar sequer as atividades culturais que já são desenvolvidas. No curso de Direção Teatral temos dificuldade de comprar peças para iluminação, cenário e figurino, cujos requerimentos logo são colocados sob suspeição por não fazerem parte das atividades-fim da universidade”, pontuou. “Temos que nos resguardar e nos preparar para devolvermos um espaço de qualidade para a sociedade”, completou.
Uso público
“Achamos que aquele espaço deve contemplar as atividades de ensino, pesquisa e extensão da universidade. Nossa atuação na reconquista da área tem sido importante, como na realização de ‘atos-show’ no campus da Praia Vermelha que contribuíram para chegarmos até aqui”, disse Anderson Tavares, integrante do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Mário Prata que, assim como os demais representantes movimento estudantil da UFRJ presentes à reunião, se posicionaram, a princípio, contra as propostas do CTPD, “por seguirem as diretrizes do Reuni”, Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. “Se vocês lerem as propostas do Plano Diretor para a área cultural, verão que concordarão com 90% delas”, rebateu Carlos Vainer.
Assim como os integrantes do DCE, Luiz Acosta, presidente da Seção Sindical dos Professores da UFRJ (Adufrj), questionou o que considerou uma “vinculação” do debate no âmbito do Plano Diretor. O dirigente reafirmou a importância de uma ampla participação social na discussão sobre os usos dos espaços, não só no âmbito interno da universidade, como também através do diálogo com representantes da sociedade civil, artistas e demais organizações. Acosta considerou “ótima” a proposta apresentada por Isabel Azevedo e enfatizou a necessidade de que a área seja utilizada para uso público. “Este espaço poderia fazer parte de um circuito integrado de cultura popular da cidade do Rio de Janeiro, onde seja possível desenvolver atividades que não atendam aos interesses mercantis”, propôs.
As discussões devem ser retomadas a partir da segunda semana de fevereiro. Isabel Azevedo sugeriu a apresentação de uma proposta para o espaço na primeira Plenária de Decanos e Diretores de 2011, a ser realizada em março. Já a representação do DCE Mário Prata sugeriu a realização de um fórum aberto à comunidade.
Entenda
O terreno outrora ocupado pelo Bingo Botafogo foi reincorporado à UFRJ após decisão da 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em julho de 2008. A área de 36 mil m² foi reconhecida, em 1963, como pertencente à universidade por técnicos da Secretaria do Patrimônio da União, que fizeram a delimitação da área e consultaram diversos documentos e cadastros. No entanto, a entidade beneficiada com o terreno desde 1950 era a Associação dos Servidores Civis do Brasil (ASCB), que, em vez de usá-lo como sede esportiva e social gratuita, sublocava partes da área.
Já o terreno onde funcionava a casa de show Canecão, localizado à Rua Venceslau Braz, 215, em Botafogo, foi reintegrado à universidade por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 10 de maio último, após 39 anos de batalha judicial.
Leia também:
Desfile-passeata com a bateria do “Simpatia é Quase Amor” pela retomada do Canecão
Teresa Cristina se apresenta na UFRJ em ato-show pela retomada do Canecão