A morte de José Saramago deixou vazio também no meio universitário. Vários professores manifestaram pesar diante do falecimento do escritor português, ocorrido nesta sexta-feira (18/6) em Lanzarote, nas Ilhas Canárias. “Ele é uma dessas figuras que farão falta. O mundo ficou um pouco mais pobre hoje”, lamenta Teresa Cerdeira, professora da Faculdade de Letras (FL) da UFRJ.
Saramago, morto aos 87 anos por conta de complicações respiratórias, deixou um legado literário de mais de 30 obras publicadas, entre romances, poemas, crônicas e peças teatrais. O escritor, que abandonou a escola aos 12 anos e nunca cursou uma universidade, entrou para a história ao ser o primeiro autor da Língua Portuguesa a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998.
Idealizador de obras como Memorial do Convento (1982), O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991) e Ensaio sobre a Cegueira (1995) — este último adaptado para o cinema pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles, em 2008, Saramago revolucionou a Literatura ao transpor para as páginas de seus livros a crise do homem contemporâneo. “Saramago pôs a Literatura Portuguesa em evidência mundial. Ele soube captar os questionamentos do homem contemporâneo e foi brilhante ao inserir a luta política dentro da Literatura. Além disso, sabia tratar com criatividade a linguagem”, afirma Teresa Cristina Meireles, também professora da Faculdade de Letras (FL).
Para Eleonora Ziller, diretora da FL, o ponto alto do escritor português é a forma como ele problematizou a história dentro da ficção. “Romances históricos são comuns. Fazem parte da tradição europeia. Mas Saramago foi além: subverteu os paradigmas da relação entre ficção e história. Ele chamou a atenção para o relato da história oficial e enfatizou a idéia da história como uma versão dos vencedores”, observa.
O primeiro romance de José Saramago é Terra do Pecado, de 1947. Seu último livro publicado foi Caim, em 2009. Ao longo de mais de 60 anos de carreira, ele transitou entre a análise minuciosa da sociedade portuguesa e a complexidade dos questionamentos humanos, sem nunca perder o olhar crítico sobre o mundo. “Há uma tônica evidente em todas as suas obras: a dimensão da utopia. Era um homem que possuía a integridade mostrada em seus livros. Os personagens dele são o seu eco. Ele intercedeu na realidade. Em um mundo onde as pessoas estão anestesiadas por tanta violência, a figura do humanista Saramago é o que fica”, aponta Teresa Cerdeira, que, além de especialista em Literatura Portuguesa, foi também amiga pessoal do escritor português.
O escritor e a universidade
Durante suas vindas ao Brasil, Saramago esteve na UFRJ. Em 1999, ele ministrou uma palestra a estudantes da Faculdade de Letras, no auditório G2 da unidade. A professora Teresa Cristina Meireles estava presente e, ainda hoje, lembra que o escritor apontou a importância do aprendizado e do conhecimento da Língua Portuguesa. “Uma frase me marcou. Ele disse: ‘É preciso fazer alguma coisa por essa língua nossa. Ensiná-la bem, aprendê-la bem’. Isso mostra que ele tinha visão política da importância de nossa língua em nível mundial”, conclui a pesquisadora.