Em reunião realizada na última quinta (29/04), na Casa da Ciência da UFRJ, moradores do Morro dos Prazeres, na região do Rio Comprido, apresentaram suas demandas a professores e especialistas da UFRJ. No início do mês cerca de 30 pessoas morreram em virtude dos desabamentos, após as fortes chuvas. No dia 8 de abril, o prefeito Eduardo Paes publicou decreto determinando a retirada de moradores localizados em áreas consideradas "de risco".
Além de profissionais de Engenharia, Arquitetura, Serviço Social, Psicologia e Direito, em reunião mediada por Isabel Azevedo, assessora especial da Pró-reitoria de Extensão (PR-5) da UFRJ, 22 pessoas debateram os problemas e propuseram soluções para o problema. “Está havendo insensibilidade por parte das autoridades. Eles estão colocando os laudos em cima da mesa e não estão nos dando escolha”, afirmou Ezequiel Tomé, líder comunitário do Morro dos Prazeres. “A população tem o direito de saber o que está sendo feito”, completou Zoraide Gomes, mais conhecida como Cris dos Prazeres, outra líder local.
Moradores e profissionais que trabalham na comunidade afirmam que a decisão de remoção foi tomada sem as prévias vistorias no morro e investigações sobre as reais necessidades da ação. Maurício Campos, engenheiro civil e militante pelo Direito à Moradia, analisou o laudo apresentado pela Prefeitura e utilizado pela Defesa Civil para interditar as casas de oito comunidades cariocas, sob o argumento de se tratar de “áreas de risco”. “Um mesmo documento foi usado para determinar a remoção em oito locais diferentes”, afirmou o engenheiro. De acordo com o profissional, o documento não apresenta provas suficientes que justifiquem a remoção. “Se houve estudos sobre essas áreas, elas não aparecem neste documento. Não me parece que houve inspeção no local, e o que foi feito, foi a partir de material de arquivo, de mapas de declividade e fotos de satélite”, comentou Maurício Campos.
Campos aponta ainda outros problemas no laudo. “O texto afirma que com as remoções haverá ‘eliminação total’ do risco. Somente há eliminação total de risco se não houver vida humana no local. Isso indica que não houve o devido rigor científico na elaboração do laudo”, analisou. O mesmo documento refuta a possibilidade de urbanização das encostas devido ao “alto custo” da obra, mas não apresenta estudos orçamentários comparativos. Segundo o engenheiro, ao visitar a comunidade, é possível perceber que os pontos que sofreram intervenções de estabilização do terreno durante o Favela Bairro (programa urbanístico implementado pela Prefeitura do Rio durante a década de 1990) estavam intactos ou sofreram abalos em locais onde as obras foram interrompidas. Por fim, o engenheiro indica uma premeditação do poder público na decisão de desocupar a área. “A data de publicação do relatório foi 12 de abril, enquanto a relação das oito comunidades a serem removidas, dia 10, e o decreto que determina a retirada dos moradores, 8 de abril”, afirmou Campos.
Marcos Azevedo, representante do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Rio de Janeiro, reivindicou que os profissionais do Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (GeoRio) realizem um trabalho sem sofrer pressões políticas. “O papel da universidade é debater, questionar e cobrar um rigor na investigação e na apresentação dos laudos e propostas para o problema”, defendeu.
Adriana Britto, defensora pública do Núcleo de Terras e Habitação do Estado do Rio de Janeiro, contesta, o decreto municipal. “As remoções são ilegais, se observarmos a Lei Orgânica do município. Estão querendo impor uma solução àquelas pessoas, como se fosse o melhor para elas. Ninguém está impedindo a entrada da GeoRio na comunidade, mas, sim, que eles inspecionem, apresentem os argumentos e os discutam com a comunidade”, ponderou a advogada.
A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFRJ encaminhou uma carta na qual sugere diretrizes a serem seguidas pela Prefeitura. “Devemos indagar o poder público sobre questões como se serão removidas comunidades inteiras? Como isso será feito? Todas elas possuem as mesmas características que justifiquem a medida?”, indagou Paula Albernaz, diretora adjunta de Extensão da FAU-UFRJ.
Maurício Ehrlich, professor do Programa de Geotecnia do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa (Coppe) da UFRJ, tem um posicionamento mais cauteloso. Para ele, “o maior problema do Rio é de planejamento urbano. Qualquer trabalho sério que se faça na área vai demonstrar que não se pode construir nas encostas sem estudos de Geotecnia. Isso vale para casas de gente rica e de gente pobre”, comparou o urbanista.
De acordo com o docente, é possível encontrar soluções para o problema, mas é preciso vontade política. “Se o homem já chegou à Lua, é possível construir em encostas. Tecnologia existe, mas é preciso que haja investimento”, afirmou Ehrlich. Segundo ele, a carência de um sistema de transporte urbano eficiente é uma das razões pelas quais as camadas populares optam por morar nos morros. “Se houvesse uma boa malha viária na cidade, seria possível chegar mais rápido e a um custo reduzido ao local de trabalho”, explicou o pesquisador do Coppe-UFRJ.
Próximos passos
Entre os encaminhamentos para os próximos encontros do Grupo de Trabalho (GT), Isabel Azevedo propôs uma articulação entre representantes do Instituto de Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (Ippur), da FAU, do Programa de Geotecnia, entre outras unidades, para a elaboração de um documento técnico que discuta os argumentos apresentados pela Prefeitura para as remoções e sua apresentação às esferas de governo. Além disso, a assessora especial da Pró-reitoria de Extensão sugeriu a criação de um programa interdisciplinar, no âmbito da PR-5, que proponha soluções em médio e em longo prazos para a cidade do Rio. A próxima reunião do GT acontece no dia 11 de maio, às 17h, em local a ser definido.