No encontro que reuniu pesquisadores e professores, o "I Encontro Nacional de Divulgação de História e Ciências Sociais" teve como foco a disseminação midiática das chamadas disciplinas humanas no Brasil contemporâneo. Durante os dias 10 e 11 de dezembro, o palco foi a Casa da Ciência, localizada em Botafogo.
Intercalados com as mesas de discussão, estiveram em debate, ainda, painéis sobre os meios de comunicação, cada vez mais envolvidos com o ensino. O evento propiciou ainda o relançamento de livros sobre a temática.
Contando com a participação dos professores Maria Alice Rezende, Manoel Salgado, Marieta Ferreira e Carlos Fausto, a relatividade da história e a desconfiança em relação à “memória” foram pontos-chave da primeira mesa, intitulada “Ciências Sociais, Estatuto Científico e Divulgação”. A qualidade do material didático oferecido nas escolas foi outro tópico abordado.
Para Marieta Ferreira, doutora em História do Brasil pela Universidade Federal Fluminense (UFF), é de extrema importância que haja uma equipe muito bem “equipada” profissionalmente para que o ensino de Ciências Humanas torne-se mais participativo. Ela lembra ainda a disseminação de livros de história e geografia que se nomeiam “críticos”, mas que na prática apenas repetem o antigo maniqueísmo. “Muitos apenas invertem a pirâmide”, esclarece. “Tornam o ‘certo’ de ontem o ‘errado’ de agora. O que há de ‘crítico’ nisso?”
Passado Reconfortante e Futuro Incerto
E qual seria o papel da história hoje? O historiador Manoel Salgado, presidente da Associação Nacional de História, responde que a vontade de se relacionar com o passado vem assumindo contornos de escapismo. A acentuação das vendas de livros e revistas com o tema, abordado muitas vezes de modo que beira a nostalgia, comprovaria isso.
Ele defende que, se nos séculos XVIII e XIX, o passado tinha a função de ser recordado como origem de “um caminho que desembocaria no progresso”, atualmente, teríamos o tornado um lugar onde “as coisas eram melhores”. Esse pessimismo em relação ao futuro teria sido gerado pelas próprias sequelas dos séculos XX e XXI. Guerras destruidoras, aquecimento global e destruição ambiental são apenas alguns exemplos.
Divulgador também é produtor
O segundo dia do “I Encontro Nacional de Divulgação de História e Ciências Sociais”, na última sexta (10/12), recebeu a pesquisadora Ângela de Castro Gomes, doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ e professora titular de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense (UFF), para uma conferência de abertura. Para debater a divulgação de histórias e Ciências Sociais, Ângela apresentou parte de sua pesquisa sobre a história de intelectuais, dando destaque ao escritor Viriato Ferreira. “Através do Viriato pretendo acessar essa matriz de que o divulgador é um produtor”, declarou.
Ângela de Castro deteve-se principalmente na apresentação da concepção de história de Viriato Ferreira, em especial na divulgação de história ensinável nos anos 1930. Ela destacou também a importância de Viriato no que diz respeito aos direitos autorais no Brasil. Ele foi um dos primeiros intelectuais a lutar pelos direitos autorais no teatro.
Segundo Ângela, é bastante sintomático que Viriato só tenha conseguido entrar na Academia Brasileira de Letras após muita luta. “Não eram intelectuais verdadeiros os divulgadores de conhecimento. Eram vistos como alguém que não está produzindo, mas repetindo”, indicou. Esse assunto foi logo depois abordado por Mary del Priore, Charles Feitosa e Bernardo Jefferson de Oliveira, convidados da mesa “A Experiência de divulgação em Ciências Humanas”.
Para mostrar a relação peculiar de Viriato com o leitor, Ângela de Castro fechou sua apresentação com a leitura de um conto de Viriato Ferreira. “Viriato falava sobre uma ‘História de chinelo’. Um tipo de história voltada mais para o cotidiano, uma história confortável, que o leitor pudesse ler de chinelos, sentado em uma cadeira confortável”, explicou ela.
“Invejoso Ressentimento”
Charles Feitosa, professor e pesquisador no programa de pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), citou um exemplo pessoal para dar continuidade ao tema iniciado por Ângela e mostrar que a visão de que o divulgador não é um produtor de conhecimento ainda persiste no meio acadêmico. Seu livro Explicando a filosofia com arte foi recebido com silêncio entre os seus pares de academia ao mesmo tempo em que foi comprado pelo Governo Federal para as bibliotecas das escolas públicas. Em sua apresentação, Charles Feitosa apontou também para a possibilidade do uso de todas as mídias para dïvulgação científica pelos pesquisadores e divulgadores. “O problema da divulgação é um problema de tradução”, destacou Feitosa.
Já a professora Mary del Priore, do programa de mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira, usou o termo “invejoso ressentimento” para falar do silêncio no meio acadêmico recebido por Feitosa ao lançar seu livro e que ela também já sentiu com o lançamento dos seus. Ela abordou a importância da opinião pública na divulgação: “A divulgação deve ser vista como uma questão de mão-dupla.”
O professor associado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do programa de pós-graduação em Educação Bernardo Jefferson de Oliveira destacou o sistema escolar como fundamental para se pensar a divulgação científica. Para exemplificar, leu uma questão de História da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) deste ano: “Um dos desafios da divulgação científica é tornar o assunto compreensivo e agradável. Não é simplificação ou deturpação, como muitos cientistas acham. O divulgador é um produtor”, declarou, retomando o tema central do evento.