Em seu último relatório a respeito das maiores causas de mortalidade e morbidez no mundo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) colocou o alcoolismo, bem como suas consequências diretas ou indiretas, na terceira posição de gravidade. Superando-o, estão apenas as doenças cardiovasculares e o câncer.
Ocorrida no Hospital-Escola São Francisco de Assis (HESFA – UFRJ), a série de palestras da Semana França-Brasil de Alcoologia, que acontece entre os dias 3 e 6 de novembro, é um apelo para um problema que vem se mostrando cada vez mais abrangente. Conta com a participação de diversos especialistas de áreas relacionadas com o tema, inclusive estrangeiros. A professora Claudine Gillet, da Universidade de Nancy, na França, contribuiu para o debate ao repartir o que foi e ainda vem sendo aprendido com a experiência no país. A França, cuja indústria do vinho é fortíssima, implementa hoje um importante programa no combate ao alcoolismo. O evento foi videoconferenciado e com participação inteiramente gratuita.
A importância de saber lidar com a questão, sem com isso cair na demonização ou na mera censura, aparece como um dos grandes motes neste início de século. No entanto, trata-se não apenas de uma responsabilidade de saúde pública, mas também dos diversos outros setores. A família, o trabalho, o trânsito, a educação, a segurança pública, todos devem estar integrados para repensar as maneiras como a questão do álcool deve ser administrada.
Um dos defensores dessa ideia foi o professor José Mauro Braz de Lima, diretor-geral do HESFA e coordenador-geral do Centro de Ensino, Pesquisa e Referência de Alcoologia e Adictologia (Cepral). Diz ele que o Brasil está entre os campeões do consumo de bebidas alcoólicas e que um dos maiores desafios a serem enfrentados é a relação de leviandade com que algumas delas são tratadas, mais especificamente a cerveja. Aparentemente, muitos jovens e mesmo adultos tendem a vê-la como não-alcoólica, o que é reiterado pelas autoridades públicas.
“Quando se proíbe propaganda de bebidas alcoólicas, a cerveja não está incluída neste grupo”, diz. Por ser considerada menos embriagante, ela acaba sendo consumida em excesso, o que faz com que provoque tantos danos – físicos, morais ou patrimoniais – quanto aquelas consideradas mais “fortes”. “Não existe bebida fraca. A questão é a dose-padrão”, explica. A professora Claudine Gillet aponta, ainda, para o fato de existir uma preferência por ações que combatam o tabaco e as drogas ilícitas, em detrimento do álcool.
Recentemente, o alcoolismo vem sendo tratado de modo mais incisivo, entretanto. Até poucas décadas atrás, apenas o alcoolismo crônico era visado pelas autoridades de saúde. Hoje haveria maior abrangência para se tratar do problema, uma vez que ele não seria mais visto apenas como patologia, mas também como um problema que abrange a integridade biológica, psíquica e social, inclusive a econômica. O perfil do consumidor mostra que 10% deles estão no estágio da dependência, enquanto 20% abusam de seu uso. São estágios diferentes que devem, por isso mesmo, receber acompanhamento diferenciado.
Os palestrantes, no entanto, propuseram uma visão realista com relação ao tema. “Não podemos ser ingênuos”, diz José Mauro Lima. “Existe muito dinheiro circulando (em decorrência da venda de álcool)”. A indústria, de fato, gera empregos, além de movimentar a economia do país. Por isso, a proposta que ficou é de uma nova relação com a bebida – sendo vista como parte integrante cultural e econômica –, sem esquecer ou fazer vista grossa para os seus malefícios.
Uma citação de Baudelaire, feita durante o evento, parece resumir qual é o grande objetivo. Para o filósofo, é necessário estar sempre embriagado. “Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a gosto. Mas embriague-se.” No final das contas, a maior mensagem é a de que cada vez menos pessoas precisem, de fato, se embriagar para se sentirem embriagadas.