“Uma nova mitologia para o século XXI: O bipolar”. Este foi o tema da palestra que aconteceu na última sexta-feira (6/3) no Instituto de Psiquiatria da UFRJ. A palestra foi iniciada com um discurso de Elie Cheniaux, médico e pesquisador do Instituto que deu boas-vindas aos residentes e aos alunos dos cursos de especialização. Depois da breve apresentação, Elie passou a palavra para Miguel Chalub, professor do departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ , que abordou o tema em questão.
Miguel deixou claro que não falaria sobre a doença em si, ou seja, sua palestra não teve como conteúdo o que já é dito nos manuais psiquiátricos (definições,sintomas). Sua intenção foi a de fazer considerações a respeito do diagnóstico do Transtorno Bipolar. O palestrante afirmou, no início do evento, que no século XXI ser bipolar é um rótulo, uma profissão.
Doenças, Mídia e comércio
Foram mostrados alguns slides durante o evento que continham matérias publicadas pela grande imprensa, onde eram divulgados fatos não comprovados cientificamente. “Vitamina D previne a gripe” e “Vitamina B12 previne a má formação do feto” são notícias que provam, segundo o professor, que a mídia e alguns médicos são claramente pagos por indústrias e empresas para que informações como estas estimulem o consumo dos clientes.
Chalub alertou o público sobre a formação de um “disease mongering”, ou seja, da transformação das doenças em um negócio que gera lucros para as empresas que vendem tecnologia e medicamentos. Foi mostrada uma reportagem do médico psiquiatra Adriano Amaral Aguiar que tinha como Título “vende-se notícias. Você compra?”.
O palestrante explicou porque a psiquiatria vende doenças: “Há pelo menos três motivos pra isso. O primeiro é a abrangência desses problemas na população. Depois, temos uma grande subjetividade nas queixas e principalmente a necessidade do uso contínuo dos remédios”. As queixas subjetivas, quando são feitas aos médicos, podem facilmente ser definidas como transtornos e distúrbios. Mesmo que o paciente só ande triste, pode ser diagnosticado como “depressivo”. Uma timidez comum pode ser chamada de “Fobia Social”. Assim, mais remédios são vendidos e mais exames complementares são exigidos, movendo um grande comércio.
– Os novos medicamentos encontram uma saturação de mercado e não há pra quem indicar. Então mudam a indicação do remédio para que mais pessoas “precisem” usá-lo. Tudo vira Transtorno Bipolar- salientou o professor. Ele explicou que houve um alargamento dos conceitos das doenças, para que pudesse haver novas patologias psiquiátricas.
– Na última década não houve um aumento da prevalência de doenças, mas o número de tratamentos psiquiátricos duplicou. Isso já é estranho. O problema é que os diagnósticos são indefinidos -, disse o palestrante.
Soluções
Como solução para esse problema contemporâneo, Miguel Chalub discorreu sobre a importância de uma avaliação criteriosa em relação à indicação dos medicamentos e aos pedidos de exames complementares. “As empresas farmacêuticas estão fazendo o papel delas que é o de vender, nós é que precisamos tomar cuidado. Os pacientes são as grandes vítimas dessa indústria. Precisamos combater essa medicalização das pessoas e dos sentimentos”. Para o médico, é muito importante também não deixar o exame psiquiátrico por conta da tecnologia. “Um bom exame físico e o diálogo aberto com os pacientes podem garantir um melhor diagnóstico”.
No final da palestra, foi aberto um espaço para debate e para perguntas do público.