Foi realizada nesta segunda, dia 9, a mesa-redonda Pensando o cérebro, das imagens às paisagens, na Casa da Ciência. O debate, que integra a exposição “Paisagens neuronais”, contou com a presença de Suzana Herculano-Houzel, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, Benilton Bezerra Jr., professor do Instituto de Medicina Social da UERJ, Javier de Felipe Oroquieta, pesquisador do Instituto Cajal, na Espanha, e Jorge Wagensberg, doutor em Física pela Universidad de Barcelona, além da mediação de Francisco Viqueira, Cônsul-Geral da Espanha no Rio de Janeiro.
Jorge Wagensberg, um dos idealizadores da exposição, tratou da perspectiva física da inteligência, listando suas formas de existência: “Basta estar vivo para se ter o mínimo grau de inteligência, para se ter esse vislumbre”, disse o pesquisador. Segundo ele, o ato de compreender confere ao ser humano um grau de inteligência, o que o diferencia de outros animais.
Benilton Bezerra fez uma crítica ao impacto das neurociências na vida contemporânea, principalmente devido ao fascínio crescente, desde a década de 90, pelas particularidades do funcionamento cerebral. “Há o desmonte da idéia de utopia. Antes, a responsabilidade pelo futuro era creditada à ação do homem; hoje é em sua maioria relacionada ao funcionamento cerebral e à constituição biológica, num campo individual, e, coletivamente, às leis de mercado”, disse o psicanalista.
– Cada vez mais questões da existência, como tristeza e ansiedade, são tratadas de forma medicamentosa. Não existem mais crianças levadas, malcriadas. Elas são “diagnosticadas” com Transtorno do Déficit de Atenção – disse o médico.
Bezerra critica, nesses casos, a idéia de que se pode controlar o cérebro por medicação, apontando que a fronteira entre o normal e o patológico mostra-se cada vez mais tênue. “É comum atualmente dizer que ‘ficou deprimido porque o time perdeu’. Não se fica deprimido por cinco minutos. Depressão é doença. Tristeza é o momento.”
Em contraposição aos impasses apontados por Bezerra na neurociência, Suzana Herculano destaca os avanços nessa área. A professora aponta vários mitos que existiam há 20 anos sobre o cérebro. Devido ao desenvolvimento da neurociência, ela afirma que hoje é possível ter maior qualidade de vida – com base em estudos comprovados pela ciência.
Suzana desmistifica a idéia de que o número de neurônios é o mesmo por toda a vida: “São criados novos neurônios sim.” Atividades físicas, por exemplo, ajudam nessa produção de células neurais, em geral na região do hipocampo. Além disso, a prática de exercícios beneficia não apenas a saúde vascular, mas também a mental. “A atividade física proporciona uma melhora na resposta ao estresse, na memória, dentre outros benefícios”, enumera.
Ela explica também que biologia, comportamento e interações sociais se influenciam mutuamente. Demonstrações de carinho e violência se relacionam diretamente com um comportamento semelhante ao que foi recebido. “O carinho tem uma via dedicada para o cérebro. Reduz o medo, facilita a aproximação e a criação de vínculos e aumenta a neurogênese no hipocampo, que passa a ser mais bem controlado. A violência, por outro lado, modifica a resposta a ameaças, gerando mais violência”, explica Suzana.
Por fim, Javier de Felipe Oroquieta fez um resumo sobre a história de Santiago Ramón y Cajal, homenageado por seu papel de “pai da neurociência moderna”. “Ele desenvolveu uma nova forma de pensar como funciona o sistema nervoso”, afirma Oroquieta.
A partir de uma técnica de coloração histológica que escurece algumas células cerebrais, tratando o tecido do cérebro com uma solução de cromato de prata, Camillo Golgi e Cajal chegaram a diferentes conclusões. Para Golgi, o tecido nervoso era um retículo contínuo de células interligadas. Pelo mesmo método, Cajal postulou que o sistema nervoso é composto por bilhões de neurônios distintos e que essas células se encontram polarizadas, comunicando-se entre si através de sinapses.
Além das pesquisas que lhe garantiram o Prêmio Nobel de Medicina, a habilidade artística de Cajal foi o que permitiu o desenvolvimento do seu trabalho não apenas no seu tempo, mas também influenciando futuros pesquisadores no campo da neurociência. “A microfotografia não é uma técnica nova. É a conseqüência de muitos dos desenhos de Cajal”, explica Javier Oroquieta.
Neurônios, ciência e arte
Esse pioneirismo e o talento de Cajal no registro de estruturas neurais – “muito próximos e fiéis aos tirados por câmera”, como destaca o pesquisador – podem ser conferidos na Casa da Ciência até o dia 15 de fevereiro. É quando termina a exposição “Paisagens Neuronais”, realizada na Casa da Ciência, em parceria com o Instituto Cervantes.
O projeto, que teve início em Barcelona no ano de 2006, é uma homenagem ao centenário do pesquisador espanhol.
A mostra conta com 50 fotografias digitais do sistema nervoso do cérebro, cedidas por laboratórios e institutos de diversos países, além de 20 fac-símiles de ilustrações feitas por pioneiros da neurociência, como o próprio Ramón y Cajal. A beleza das cores, dos efeitos luminosos, contrastes e as diferentes formas criam imagens únicas e sugestivas, tornando impossível não estabelecer um paralelo entre ciência e arte.
A exposição, que já passou por cidades da Europa e da América, inclui ainda a realização de uma série de palestras. A próxima acontece no dia 11 de fevereiro, com o tema “E se formos apenas um grande primata?”, proferida por Suzana Herculano-Houzel, que também atua como apresentadora e roteirista da série Neurológica, da Rede Globo de Televisão.
A Casa da Ciência da UFRJ fica na rua Lauro Muller, nº 03, Botafogo. Mais informações no site: http://www.casadaciencia.ufrj.br/