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Advogados do povo denunciam violação dos direitos humanos em Rondônia

 Advogados populares de diversos países, como Bélgica, Filipinas, Turquia, Holanda, Argentina e Brasil, integrantes da Associação internacional dos Advogados do Povo (IAPL), do Núcleo dos Advogados do Povo (NAP) e do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebrasp), se reuniram na última sexta-feira, dia 5, para divulgar um relatório sobre a situação dos camponeses em Rondônia. O documento lido pelo presidente da IAPL, Edre Olaia, no evento A criminalização dos movimentos populares na cidade e no campo, realizado no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, contém denúncias de maus tratos a camponeses e desrespeito aos direitos humanos nas prisões da região.

A Missão Internacional de Investigação e Solidariedade, formada por integrantes da IAPL e mais alguns advogados autônomos, visitou entre os dias 1 e 4 de dezembro algumas unidades prisionais de Rondônia, dentre elas o presídio Urso Branco, em Porto Velho, construído na década de 90 para abrigar presos provisórios e que está em funcionamento até hoje. Conhecido pelas violentas rebeliões, o presídio vem recebendo destaque internacional desde 2000, quando uma rebelião terminou com a morte de três presos. As revoltas de presidiários são recorrentes no local: em 2002, 27 presos foram assassinados por seus companheiros de cela; em 2004, 15 foram mortos – cinco decapitados – e, em 2005, 14 morreram, centenas ficaram feridos e 80% das instalações foram destruídas. No ano passado, um preso foi executado por agentes do Estado com um tiro na cabeça, situação que levou à discussão sobre uma possível intervenção federal no estado de Rondônia. Desde 2002, o Brasil responde a um processo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), por não respeitar as normas internacionais de direitos humanos em Urso Branco.

Durante a missão, os advogados se encontraram com o diretor do presídio, Jefte de Lima Mamani, com o juiz da Vara de Execuções Penais de Porto Velho, Sérgio William Domingos Teixeira, e com camponeses e detentos da região. Segundo a IALP, na visita ao presídio e à delegacia da região, os advogados se depararam com inúmeras situações de violação dos direitos humanos. “A delegação ficou chocada ao encontrar uma mulher grávida algemada na grade da delegacia e deixada no chão do corredor da prisão por horas”, disse Edre Olaia, que pôde verificar que a superlotação das prisões é algo comum em Rondônia.

Em Jacinópolis, os camponeses revelaram sofrer torturas sistemáticas na cadeia pública de Ariquemes, além de perseguições e assassinatos de seus parentes e amigos por latifundiários locais que exercem o poder sobre a terra. Um caso citado foi o do trabalhador agrícola José Gonçalves. Ele contou à delegação que vive ameaçado de morte por pistoleiros a serviço de um latifundiário desde que teve sua fazenda atacada. Esse mesmo camponês foi capturado por policiais e acusado de assassinado e porte ilegal de armas. Segundo os advogados da missão, esta é uma situação comum em Rondônia, onde muitos camponeses são acusados e presos sem provas.

— As violações aos direitos humanos em Rondônia não pertencem ao passado e a delegação quer expressar sua preocupação sobre as condições carcerárias da região, a repressão a camponeses pobres e as condições dos advogados do povo — disse o presidente da IAPL. Diversos advogados brasileiros presentes no evento expressaram sua preocupação com colegas de trabalho que vêm sendo ameaçados e impedidos de exercer sua profissão. Eles disseram esperar da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) uma maior preocupação com a questão.

Durante o evento foram apresentados outros casos, fora de Rondônia, de advogados que tiveram seu trabalho interrompido. Presente na mesa de debate, João Tancredo, presidente da Comissão de Direitos Humanos, que investigava denúncias de execuções policiais no Complexo do Alemão no ano passado, contou ter sofrido, na época, uma tentativa de assassinato por um motoqueiro encapuzado que, segundo ele, estaria obedecendo a ordens “de alguém que não era morador da favela”.

Sara Raquel Quimas, presidente da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (Adperj), e Daniel Dias Moura, presidente do Instituto dos Defensores de Direitos Humanos (DDH), afirmaram que, com a atual crise financeira mundial, movimentos populares, como as iniciativas dos advogados do povo, e reivindicações de camponeses e outros grupos marginalizados tendem a ser mais criminalizados, pois a perspectiva é de que a exploração aumente e, por conseqüência, as lutas sociais.

O relatório preliminar apresentado durante o evento ainda será encaminhado para a imprensa. A delegação que viajou até Rondônia formulará um relatório final, que deverá ser publicado ainda este ano, contendo todas as informações coletadas.

— Em cada país onde há um sistema de exploração semi-feudal, como no Brasil e no meu país, Filipinas, há os grupos que lutam por seus direitos e também o Estado que, junto com os latifundiários, reprime o povo através de uma opressão sistemática — constatou Edre Olaia.  Ele afirmou que “a IAPL está com o povo, engajada na luta dos movimentos sociais, trabalhando dentro do sistema legal com uma visão crítica sobre as leis que não são a favor do povo”.