No período da tarde dessa terça-feira (2), o Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ deu continuidade às comemorações do centenário do nascimento de Josué de Castro. Dentre os eventos da programação promovida pelo Instituto de Nutrição da universidade, houve uma mesa redonda com representantes de instituições como o IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). A mesa contou também com a participação do premiado cineasta Silvio Tendler, realizador, dentre outros documentários de destaque, do “Josué de Castro, Cidadão do Mundo”.
“Tem que saber para onde corre o rio, tem que saber seguir o leito, tem que estar informado, tem que saber quem é Josué de Castro, rapaz!". É assim que o cantor e compositor Chico Science demonstra a necessidade do resgate da memória do brasileiro que fez uma leitura crítica da realidade em que vivia a serviço da redução da desigualdade e do combate à fome. Na mesma linha, Silvio Tendler atentou para o ensino sobre Josué de Castro em escolas e universidades, afirmando: “já está na hora de os brasileiros conhecerem mais os brasileiros”. O motivo é notório: autor do livro “Geopolítica da Fome”, Josué de Castro analisou o problema da fome no mundo sob uma perspectiva diferenciada, sobre a qual afirmava que “a fome é a expressão biológica dos males sociológicos”. Pensar dessa forma significava se aprofundar na avaliação do problema, que antes considerava como causa da fome a incapacidade de produção de alimentos. Mas não se pode reduzir as causas a isso, pondera Francisco Menezes, pesquisador do IBASE.
— O Brasil é testemunha disso, pois é um país com grande capacidade de produção de alimentos. Mas tem dentro de sua história essa chaga da fome. O poder de compra das pessoas é uma das causas. Josué também denunciou o imperialismo e o esquema dentro do comércio internacional. Quando ele faz essa denúncia, ele introduz a questão do direito humano à alimentação. Não tem meio termo: ou tem-se um olhar sobre a alimentação como mera mercadoria da qual se extraem lucros avantajados ou então se pensa sob a perspectiva de que todo ser humano tem direito à alimentação como algo inegável — explica Menezes.
Com esse manifesto lado humano, os pensamentos de Josué de Castro tendem a ser comparados tanto às teorias marxistas, como ao catolicismo, de acordo com Rosana Magalhães, pesquisadora da Fiocruz, que prefere não fazer comparação alguma:
— É melhor não associá-lo a doutrinas. Ele dialoga com vários campos de saber. Isso é emblemático em sua obra. Ele foi médico, geógrafo, sociólogo. Essa formação muito ampla influencia suas reflexões, sem abdicar de trazer vivências empíricas sobre o problema analisado. Estuda fome na perspectiva da especulação filosófica, mas sob uma perspectiva distanciada e ao mesmo tempo engajada para fazer uma síntese, uma compreensão da realidade.
Os estudos de Josué de Castro tinham a característica marcante de não fazerem a separação entre natureza e cultura, meio ambiente e meio social. Por isso, o livro “Geopolítica da Fome”, de 1946, é ainda hoje um referencial internacional quando o assunto é segurança alimentar. Não obstante, Josué de Castro foi eleito em 1952 Presidente da FAO, uma organização das Nações Unidas dedicada à agricultura e aos alimentos. Seu caráter universal também é verificado pelo envolvimento com personalidades que participaram do documentário “Josué de Castro, Cidadão do Mundo”, conforme Silvio Tendler expôs:
— Com o filme, tive a chance de entrevistar personagens fantásticos, todos apaixonados por Josué de Castro: Jorge Amado, Betinho, Dom Hélder Câmara, Julião, Raquel de Queiroz, Barbosa Lima Sobrinho. Todos demonstravam uma paixão enorme por Josué de Castro. Percebam com isso a história de toda uma geração num só filme que gira em torno de um só personagem.
Além disso, Silvio Tendler contou brevemente a história do acordo entre Josué de Castro e o cineasta italiano Roberto Rosselini para a realização de um filme. O sociólogo acreditava que o sucesso do cineasta o capacitaria para angariar os custos do projeto cinematográfico. No entanto, Rosselini também confiava os futuros gastos ao prestígio político de Josué de Castro no Brasil. Nesse jogo de impasses, infelizmente o filme não saiu. Grande perda, segundo Tendler.
Sobre o passado de Josué de Castro temos sua obra, seus ensinamentos, suas reflexões que, trazidas para nossa contemporaneidade, continuam extremamente atuais. Assim, comemorar o centenário de seu nascimento é na verdade um pretexto para celebrar o conhecimento acerca do mundo, de um homem que partiu do sertão pernambucano em que vivia para entender o mundo. Francisco Menezes ressaltou a importância da herança deste ator social para aqueles que pretendem promover as necessárias mudanças sociais:
— Outra contribuição que temos de Josué de Castro é saber articular os diferentes campos das políticas públicas a serviço da redução da desigualdade e do combate à fome. É outro desafio e um aspecto principal que precisamos levar à frente. Ele nos ensina muito sobre o que está acontecendo agora. Estamos numa crise do sistema alimentar mundial. Essa crise não é passageira, ela é estrutural. Temos que de imediato dar conta de seu enfrentamento. Nós, no Brasil, tivemos ganhos importantes em relação ao acesso à alimentação nos últimos anos. Precisamos estar atentos para que esses ganhos não sejam perdidos rapidamente na elevação do preço dos alimentos. Portanto, precisamos de medidas que assegurem o poder de compra, que elevem a capacidade de produzir e abastecer a população no plano local.
Desse modo, Josué de Castro é indubitavelmente um autor muito atual, pois se interessava pelo debate sobre o desenvolvimento humano e social, no plano da idéia de articulação de desenvolvimento econômico, um projeto nacional de desenvolvimento. Depois de toda essa dedicação às causas da sociedade, se torna indispensável conhecer o legado de Josué de Castro, para que haja um rompimento entre conhecimento e atuação social, praticada por ele, mas quase imperceptível por parte do Estado hoje.
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