A saúde é a principal preocupação dos brasileiros, segundo pesquisa do Datafolha. Que rumos tomará o sistema de saúde brasileiro com o fim da CPMF. Confira na entrevista com a professora Ligia Bahia, médica e pesquisadora do Laboratório de Economia Política da Saúde (LEPS).
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Fim da CPMF – como fica o sistema de saúde brasileiro

A saúde é a principal preocupação dos brasileiros, segundo pesquisa do Datafolha. Que rumos tomará o sistema de saúde brasileiro com o fim da CPMF. Confira na entrevista com a professora Ligia Bahia, médica e pesquisadora do Laboratório de Economia Política da Saúde (LEPS).

No último dia 13 de dezembro, a proposta de prorrogação da CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – foi rejeitada pelo Senado. A maior parte dos recursos arrecadados por este imposto – quase 50% – é, atualmente, destinada à saúde. A partir de então, procuram-se saídas para solucionar o caos em que já se encontra o sistema que, caso a verba seja reduzida, poderá ficar ainda pior.

Uma pesquisa realizada recentemente pelo Datafolha concluiu que a saúde é a principal preocupação dos brasileiros. Em vista da importância de um sistema de saúde sólido e eficaz e na busca de esclarecer os rumos que este tomará com o fim do tributo, a Coordenadoria de Comunicação da UFRJ entrevistou a professora Ligia Bahia, médica e pesquisadora do Laboratório de Economia Política da Saúde (LEPS).

Segundo a professora, o planejamento da saúde para o próximo ano terá de ser totalmente reformulado, já que se esperava um aumento de 24 bilhões advindos somente da CPMF. Teme-se, ainda, que outros setores sociais, como o da Educação, sejam afetados pelo fim da contribuição. Apesar da derrota da CPMF no Senado, Ligia destaca a vantagem de a saúde ter ocupado um grande espaço na mídia. Assim, dificilmente o governo poderá recuar completamente e desfinanciar a Saúde.

Confira a entrevista na íntegra

Por quatro votos, a CPMF não foi aprovada. Numa última tentativa, o presidente Lula enviou uma carta aos senadores. Por que este fato não mudou os rumos da negociação?

O resultado da votação foi surpreendente. O presidente tardou a assumir a dianteira das negociações, como se o PSDB (Serra e Aécio) estivesse mais preocupado com a defesa da Saúde. E mesmo a proposta do governador Serra, de todos os recursos serem destinados à saúde, chegou tarde. A negociação já vinha se estendendo por quatro meses, quando o presidente enviou a carta ao Congresso, às vésperas da votação no Senado, não dava mais tempo.

Como ficou o planejamento financeiro do Sistema Brasileiro de Saúde Pública com o fim da CPMF?

O orçamento da Saúde está com um vácuo. Se fossem vinculados, integralmente, os recursos da CPMF à Saúde, teria-se mais dinheiro do que estava previsto. Seria possível implementar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Saúde, chamado, Mais Saúde. Se houvesse um orçamento para a seguridade social, essa área teria 150 bilhões. Atualmente, quase 50% da CPMF se destina à Saúde. Com essa contribuição, são cerca de 60 bilhões e calculava-se expandir para mais 24 bilhões – apenas da CPMF. Somando-se à verba do plano PPA (Plano Pluranual), seriam cerca 90 bilhões. Sem esses recursos, as ações previstas no PAC dificilmente serão implementadas. Propositalmente, o lançamento do PAC antecedeu o debate da CPMF, para mostrar à sociedade a necessidade de prorrogá-la. O tributo não foi aceito, mas a Saúde brasileira precisa desses recursos.

Há cerca de 20 anos, a constituição assegurou um orçamento fixo para a seguridade social. As medidas tomadas pelo governo na área de saúde são satisfatórias?

Havia um pleito antigo, independente da CPMF, pela aprovação de uma base orçamentária fixa para a saúde que não fosse sujeita a grandes variações, com mudanças de governo, por exemplo. Essa estabilidade financeira é fundamental para a existência de um sistema de saúde de qualidade e universal, princípios formais do SUS, mas que não acontece na prática. Desde 1988, quando houve a aprovação da constituição, estamos às voltas com o orçamento. Segundo a constituição, haveria um orçamento da seguridade social. Se a constituição estivesse sendo obedecida, a área de saúde brasileira teria mais de 100 bilhões neste momento. Com isso, nos aproximaríamos de orçamento mais compatível com idéia de um sistema universal, seriam mais de 200 dólares per capita/ano destinados aos gastos com a saúde.O Brasil estaria equivalente à Costa Rica, não a países europeus. Seria razoável, pois se imaginaria um sistema muito melhor do que temos hoje. No entanto, o orçamento da seguridade social não existiu.

Sem os recursos da CPMF, quais as providências que os setores ligados à Saúde terão que tomar?

Os segmentos que atuam na Saúde estão bastante apreensivos com a derrota da CPMF no Senado. O principal problema é que estávamos prevendo recursos a mais, pelo menos 4 bilhões. Sem isso, torna-se difícil inverter o rumo de decadência dos serviços públicos e a desumanização do atendimento.
A disputa passa a ser com a área econômica do governo. Agora, o setor da saúde tem duas alternativas: que a Desvinculação de Receitas da União (DRU) não reduza recursos da Saúde (mas ela já foi aprovada) e que a base de cálculo dos 10% seja em cima da receita bruta, como base de arrecadação. O debate era se a base seria a receita corrente bruta ou o. Seria mais interessante o cálculo a partir da receita corrente e não do PIB (produto interno bruto), pois geraria mais recursos, já que a economia brasileira não está crescendo tanto. O que não podemos permitir é haver um plano com menos recursos.
Não se sabe quanto deixará de ser investido. O orçamento ficou uma incógnita por ser totalmente atrelado ao orçamento da CPMF e depender dos orçamentos dos estados e municípios. A não aprovação da prorrogação da CPMF também afeta os programas sociais do governo.
A agenda da Saúde parou. Iniciaremos o ano com a necessidade de mobilizar a sociedade para a obtenção de recursos à área. A cada lei orçamentária, surgem problemas. Mas pensamos que escaparíamos deste círculo vicioso. Para a saúde, 2007 é um ano que não acabou.

A DRU (Desvinculação de Receitas da União) foi aprovada juntamente a CPMF, mas ao contrário desta, foi pouco discutida pela mídia. O que essa aprovação acarreta à área de saúde?

Senti falta dos setores ligados à saúde falarem da DRU. Ela retira 20% das receitas da área, além de ser uma forma de fazer caixa do superávit primário do governo às custas da área social. Fiquei espantada da facilidade com que o próprio setor se encantou com a idéia da CPMF, quando surgiu a idéia de criá-la. Porque o intuito era de uma parte maior da CPMF ser vinculado à saúde, e não totalmente. Porém, a luta pela aprovação da CPMF foi válida, pois, pelo menos, a saúde teve os 10% previstos da emenda constitucional.

Há rumores de uma proposta, no próximo ano, da criação de um novo imposto. Seria uma solução?

Não vejo muita viabilidade de um novo imposto exclusivo, porque tanto a área econômica quanto à da saúde são contra a especialização das fontes. O ideal seria um orçamento da seguridade social em que não houvesse uma flexibilidade. Dessa forma, quando houvesse uma necessidade maior em certo setor, seriam destinados recursos para a assistência deste.
Por isso, a idéia de um imposto para Saúde não é muito bem vinda. Até porque nos atemoriza ser um imposto apenas para os pobres. O objetivo do SUS é uma saúde universal, de um sistema único. Então que saúde seria esta: uma saúde de pobre para pobre? Teríamos um aumento nas desigualdades. O vetor teria que ser em outra direção: os segmentos que possuem planos privados de saúde fossem atraídos pelos serviços públicos.

Poderia existir um Sistema de Saúde Brasileiro que atendesse a todos, como propõe o SUS?

É difícil, mas única alternativa é acreditar nisso. O Brasil possui uma população imensa que não pode pagar por um atendimento privado. Se apenas quem pudesse pagar pelo atendimento para AIDS, fosse atendido, o país teria, hoje, uma epidemia nos moldes africanos. Isso não ocorreu, porque nesse quesito o SUS é universal. Quando essa universalização se impõe à segmentação, temos resultados muito positivos, como é o caso do programa de AIDS, de vacinação, entre outros.