Começou ontem, dia 31 de outubro, o seminário Experiências de Gestão Municipal de Segurança Pública no Brasil, realizado pelo Núcleo de Estudos da Cidadania e Violência Urbana, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ (NECVU / IFCS), com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e da Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB). O programa, coordenado por Michel Misse, doutor em sociologia, e Marcos Bretas, doutor em História, ambos professores da UFRJ, visa a discussão das mudanças em curso nas guardas municipais do Brasil e seus desdobramentos.
A abertura do evento fica por conta de Michel Misse, que expõe os pontos que serão debatidos ao longo do Seminário. “A reflexão sobre as mudanças nas Guardas Municipais está embasada nas questões e dúvidas pertinentes à municipalização da Segurança Pública no Brasil, da qual o estado, não o município, é institucionalmente encarregado. Entretanto, na medida em que as guardas se transformam, são criadas também Secretarias Municipais de segurança pública. Surgem então as questões: essa municipalização é o melhor caminho ou não? Se for, qual o formato desejável de uma polícia municipal ou de uma guarda municipal? Lembrando que na maior parte das cidades, as guardas estão desarmadas e não podem fazer boletins de ocorrência ou dar voz de prisão, por exemplo. Nesse caso, é melhor adotar o formato de uma polícia comunitária, de vizinhança, ou conservar a Guarda Municipal desarmada, como uma força complementar à polícia?”, indaga o especialista.
Misse conta também que o seminário apresenta projetos de pesquisa que estudam o caso de oito cidades diferentes, duas em cada um dos quatro estados analisados. “Essas cidades representam de maneira clara parte dessas mudanças que estão ocorrendo: Macaé e Rio de Janeiro, no estado do Rio; Curitiba e Foz do Iguaçu, no Paraná; Vitória e Cachoeira do Itapemerim no Espírito Santo; Belo Horizonte e Mariana em Minas Gerais. Além disso, existem pesquisas sobre mudanças em curso em São Paulo, principalmente em Diadema, no Rio Grande do Sul e no Ceará, que serão expostas ao longo do seminário, discutindo também a última pesquisa do IBGE sobre o assunto”, enumera o coodenador, que esclarece: “esse seminário é uma parte da pesquisa desenvolvida pelo NECVU, onde pretendemos não apenas apresentar os resultados preliminares e parciais, como também apresentar o estudo dos dados e as experiências em cidades que não são abordadas em nosso projeto de pesquisa, mas que tem uma importante contribuição a dar a essa discussão”, enfatiza Misse.
Rio de Janeiro e Minas Gerais
Michel Misse dá prosseguimento ao evento, voltando o foco para a análise da guarda municipal das cidades escolhidas no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, ministrada, respectivamente, por Marcos Bretas e Joana Vargas, da Universidade Federal de Minas Gerais. “A guarda municipal tem adquirido maior importância no cenário da segurança pública, devido a processos de definição do exercício e reconhecimento de sua atuação, como o reconhecimento constitucional. A partir desse processo, então, é preciso analisar as suas formas de operação nos diferentes estados brasileiros”, defende o coordenador.
Marcos Bretas explica quais os critérios utilizados na escolha de Macaé e Rio de Janeiro: “a capital do estado foi escolhida devido à questão de segurança pública que envolve a cidade, conhecida pela imagem de violência e de medo, além de ser uma das maiores do Brasil. Na Guarda da cidade do Rio de Janeiro, existem dois pontos fundamentais de discussão: a Guarda é desarmada, apresentando questões políticas envolvidas nessa característica, e não pertence ao hall de servidores municipais. Macaé, por sua vez, apresenta um crescimento recente e acelerado, desfazendo redes e nexos de organização urbana, e recebendo diariamente diversos migrantes pendulares: pessoas que moram em outras cidades e voltam todos os dias para trabalhar. Macaé possui recursos financeiros, que são empregados também na Guarda Municipal. Em paralelo, o crescimento da cidade é acompanhado de maior violência e desigualdade social”, esclarece Bretas.
O especialista também conta que foi constatada em pesquisas feitas em ambas as cidades o descrédito dos próprios policiais quanto à atividade de gestão municipal. “Não há perspectiva de crescimento na carreira: os guardas das turmas de formação mais recentes, em geral mais jovens e dispostos, apresentam maior índice de abandono da carreira. Já os das turmas mais antigas, que por serem mais velhos apresentam menores chances de reingressar em novos rumos do mercado de trabalho, em geral permanecem no posto, apresentando, porém, menor engajamento ou motivação com a função exercida”, esclarece Bretas.
O historiador então propõe uma política de incentivo à Gestão Municipal: “Os guardas são em sua maioria muito qualificados para as funções que exercem. Não se deve permitir essa deserção numa área de manutenção da segurança pública. É preciso, portanto, criar perspectivas de crescimento efetivo na guarda”, enfatiza Marcos Bretas.
Joana Vargas defende também a necessidade de criar incentivos à guarda municipal, que apresenta o mesmo problema de abandono nas cidades mineiras Mariana e Belo Horizonte, defendendo a necessidade de se estabelecer uma concordância em relação às funções pertinentes a ela. “É preciso estabelecer seu papel, seja de guarda patrimonial, de repressão ou de agentes de segurança. Na questão dos armamentos, por exemplo, Belo Horizonte está em processo de adoção de armas de fogo para a guarda municipal, enquanto em Mariana continuam restritos ao uso de tonfas e algemas. Essa opção relaciona-se à crença de que a Guarda não teria mais a amplitude de atuação que possui em locais como favelas e escolas, além da preocupação existente com o seu uso indiscriminado”, revela a especialista, que considera a necessidade de profissionalização relacionada à construção de uma identidade da Guarda Municipal e o uso ou não do armamento as maiores discussões a serem feitas no âmbito da Gestão Municipal de Segurança Pública no país.
O evento prossegue com a programação, de 10h até as 17h de hoje, dia 1º de novembro, no Salão Pedro Calmon do Fórum de Ciência e Cultura. O Fórum fica à Avenida Venceslau Brás, nº250 – campus UFRJ da Praia Vermelha.