No último dia do III Congresso de Engenharia do Entretenimento, 21 de setembro, o Laboratório de Engenharia do Entretenimento, da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe) da UFRJ, realizou o debate “Carnaval: Produção e Consumo”, contando com a presença de especialistas e carnavalescos comprometidos com esta que é a maior festa popular do Rio de Janeiro. Entre os convidados, Felipe Ferreira, professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Sérgio Faria, aderecista e um dos administradores do Barracão da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, Roberta Alencastro, à frente da organização de julgamento das escolas de samba dos grupos de acesso A e B, pela Secretaria Municipal de Cultura, e Maria Augusta Rodrigues, artista plástica, professora da Escola de Belas-Artes da UFRJ e comentarista da rede Globo sobre os desfiles do grupo especial, discutiram sobre o modo de produção do Carnaval, desde a confecção dos adereços e carros alegóricos até o desfile na Marquês de Sapucaí.
Roberta Alencastro inicia o debate, expondo os métodos que estão sendo aplicados desde 2004 na avaliação das escolas de samba do grupo de acesso, quando a Secretaria Municipal de Cultura assumiu o cargo. “Quando a secretaria foi convidada a ocupar esse cargo, os dois dias de Sapucaí destinados aos grupos A e B eram tristes. Existiam diversas deficiências no desfile, desde fantasias improvisadas até a baixa presença de público para prestigiá-los. Além dos baixos recursos, as escolas se prejudicavam porque, anteriormente, a avaliação feita pela Associação das Escolas de Samba restringia os registros documentais dos julgamentos ao seu poder e permitia que os dirigentes vetassem julgadores, o que conferia pouca credibilidade ao processo”, conta Roberta, que descreve também os métodos atuais.
Segundo a palestrante, “hoje não há interação entre a comissão de julgamento e a Associação. Buscamos especialistas de fora do mundo do Carnaval, como bailarinos, coreógrafos, músicos e artistas visuais, que têm um nome a zelar. É proibido às escolas vetar jurados, bem como saber quem são antes da apresentação oficial dos mesmos à imprensa, que acontece três dias antes do desfile. No dia de Carnaval, os avaliadores são mantidos isolados nas cabines, vigiadas por servidores públicos – a única pessoa que tem livre acesso à mesma sou eu, ainda assim acompanhada de um ‘sombra’, o que certifica toda a transparência do processo”, expõe Roberta Alencastro. A organizadora também explica que o material com as notas das escolas passa por cinco empacotamentos, sendo que, após fechar o lacre de cada etapa, ela e os jurados assinam os envelopes, confirmando a credibilidade da avaliação. Por fim, o material é confinado a um carro forte, guardado por policiais armados, até o dia de leitura das notas. Roberta afirma então que esse novo método de julgamento, por não abrir espaço para possíveis fraudes, tem injetado novo gás na produção apresentada pelas escolas, com otimização dos recursos empregados e considerável presença do público nesse desfile.
Sérgio Faria, por sua vez, relaciona sua experiência de 20 anos com o Carnaval às técnicas e estratégias de produção que o Congresso de Engenharia do Entretenimento propõe aliar aos mecanismos de produção popular. “Passar por todas as etapas do Carnaval, desde assistir nas arquibancadas, pelo desfile no chão, nos carros alegóricos, até a administração de um barracão de escola de samba e o trabalho com as alegorias, permitiu que eu adquirisse uma visão dessa festa como um todo: da pessoa que produz àquela que assiste pela televisão”, conta o carnavalesco, que começou seu trabalho na escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, e integra há 17 anos a administração da Imperatriz Leopoldinense.
Segundo Faria, é essencial este trabalho de acompanhamento de todo o processo da elaboração de um desfile, papel que geralmente o engenheiro de produção desempenha em suas tarefas. “Atualmente as alegorias são feitas com o planejamento de engenheiros, levando em conta o tamanho dos barracões, o transporte até o Sambódromo, e outros fatores. Não podemos mais demolir a parede do barracão – e todo ano precisar reconstruí-la –, como era feito há algum tempo atrás, para que o carro alegórico saia intacto. É preciso toda uma logística, levando em conta o caminho que o carro deve fazer, e os possíveis impasses que surgem” explica Sérgio.
Já Maria Augusta levanta uma abordagem sobre a cobertura televisiva do Carnaval carioca. “A televisão informa muito pouco, e muitos de seus jornalistas e comentaristas deveriam ser mais instruídos sobre o tema – muitos deles sequer conhecem um barracão”, critica a carnavalesca, lembrando que a alguns anos a televisão desrespeitava em suas transmissões a ordem das alas, que sucedem de acordo com a história narrada no enredo. Por outro lado, defende a importância de televisionar o desfile, que é acompanhado por vários países. “A televisão incentiva a Escola de Samba a melhorar, apesar de muitas vezes torná-la um produto: existe uma participação efetiva da comunidade, não apenas o enfoque em atrizes, modelos e patrocinadores”, defende a professora.
Por fim, Maria Augusta também destaca a importância de vinculação da Academia à cultura popular. “A Escola de Belas Artes da UFRJ é a única escola de artes que fornece pessoal para trabalhar no meio carnavalesco. Mas essa associação apenas não supre a relação essencial de ingresso efetivo na cultura popular. É preciso um trabalho de vinculação entre ambas as partes, de entendimento das necessidades do Carnaval como um todo, não só pelos cursos de arte, mas por todas as áreas de estudo. Por exemplo, o chão do Sambódromo do Rio de Janeiro é inclinado para a esquerda, para escorrer a água de chuva. Só não levaram em conta que os carros alegóricos, desta forma, deslizam. Faltou o comprometimento e conhecimento dos engenheiros, arquitetos e especialistas envolvidos com a obra, sobre o desfile de carnaval – principal objetivo de toda aquela construção” analisa a carnavalesca.