Do programa de TV O Aprendiz à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump mantém a atenção das câmeras sobre si. Após oito anos no poder, o democrata Barack Obama deixou a Casa Branca para que seu sucessor, do Partido Republicano, assumisse o cargo, para o qual foi eleito em 8 de novembro de 2016, sob olhares de esperança daqueles que acreditam no slogan de sua campanha, “Make America Great Again” (Faça a América Grande Outra Vez), mas também de revolta e aflição dos seus opositores.
Se a sua candidatura foi vista com comicidade pelo mundo, devido às suas declarações polêmicas e ao perfil inusitado, agora que é uma realidade, cada passo seu é observado com atenção considerável. Afinal, dada a dimensão da posição de influência dos Estados Unidos no mundo, as decisões do novo presidente até podem “fazer a América grande de novo” – por Américaxa0leia-se EUA -, masxa0impactará a economia de países aliados.
Os fatores da vitória de Trump
Apesar da pouca aprovação e popularidade, Trump convenceu seu eleitorado com suas propostas e discurso acentuado contra a “ameaça externa” ao enfatizar o combate ao terrorismo e culpar os imigrantes ilegais por “roubarem” empregos dos norte-americanos.
Para Luiz Carlos Delorme Prado, professor do Instituto de Economia (IE) da UFRJ, o voto em Trump corresponde a uma crescente insatisfação do eleitor com o lento desenvolvimento da economia americana nos últimos anos, que pouco beneficiou os cidadãos em termos de bem-estar social e geração de empregos.
O que esperar da nova gestão
Segundo Delorme, o governo de Trump irá se assemelhar ao de Ronald Reagan (1981−1989). Ou seja, aumentará os gastos, principalmente na área militar, e reduzirá impostos com a intenção de impulsionar o crescimento da economia norte-americana. “Ele tem alguns discursos na área de política econômica que podem ter um impacto positivo na economia americana. O crescimento do protecionismo pode ter um efeito ruim para o resto do mundo, mas será positivo para a indústria americana, pelo menos no curto prazo.”
Delorme explica que o resultado da política de Trump será uma aceleração do crescimento e a redução do desemprego. Porém, isso se dará à custa de tensões com outros países, como o México, que é o maior produtor e exportador de veículos da América Latina, e os Estados Unidos são o seu maior cliente.
Em 2016, 77% dos 3,47 milhões de veículos produzidos no México foram vendidos nos EUA. Mas bastou Trump ameaçar impor uma barreira tarifária sobre a importação para que parte desses investimentos fosse redirecionada para o território americano. Em suma, em virtudexa0 do grande poder econômico americano, dado o seu mercado interno, aumentar os impostos sobre a importação resulta no deslocamento da produção para solo americano, e isso se reflete na geração de emprego.
Seguindo o mesmo raciocínio, Leonardo Valente, coordenador do curso de Relações Internacionais e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ, afirma que Trump dá todos os indicativos de que seu governo será voltado para uma pauta protecionista e desenvolvimentista. Mas alerta que essa pauta tem um potencial considerável de provocar um desastre no plano econômico internacional.
De acordo com a pesquisa de opinião pública da Associated Press e do Norc Center for Public Affairs Research, embora quase 60% dos norte-americanos reprovem o desempenho geral de Trump, 50% aprovam os seus esforços para o crescimento da economia, enquanto 48% não aprovam.
Relacionamento com o Brasil
No caso do Brasil, não há muito que esperar. Valente diz que o cenário seria favorável caso o país estivesse em uma fase política, econômica e social mais estável. “Eu não posso dizer nem se o Brasil vai ser bom para o Brasil. O governo Trump é uma oportunidade perdida para o nosso país.”
Na opinião de Delorme, a situação no mundo não facilita a expansão do comércio internacional e, além disso, a falta de uma política externa consistente, com um governo brasileiro frágil e pouco representativo, torna ainda mais difícil enfrentar a atual conjuntura. “Trump não tem nada para oferecer ao Brasil, nem este tem algo para oferecer a ele que possa alterar de alguma maneira a política externa norte-americana. O que o Brasil pode fazer é continuar a abrir as portas para o investimento internacional, mas unilateralmente, pois não vai obter nenhum benefício político ou econômico em função desse tipo de estratégia”, diz.
No entanto, o Brasil está deixando abertos os canais diretos de diálogo. Segundo a Agência EBC, no dia 18 de março, Trump e o atual presidente brasileiro, Michel Temer, conversaram ao telefone a respeito das reformas em curso em ambos os países e acertaram manter contato regular. Mas apesar dessexa0 contato telefônico comxa0 Temer, ainda não houve nenhuma manifestação do presidente dos EUA em relação a propostas para o Brasil e a América do Sul.
Taxação de Trump afetará economia nacional
Francisco Carlos Teixeira, cientista político e professor de História Moderna e Contemporânea do Ifcs/UFRJ, sugere que o investimento no exterior não é uma prioridade tão alta quanto a retomada da dinâmica econômica dentro dos Estados Unidos. “Ele está chamando os capitais americanos do exterior para investir no seu plano de reconstrução da América. Então, investir na América Latina é uma perda muito grande na criação de novos empregos dentro dos EUA”, sublinha.
Por outro lado, mesmo que Trump não coloque o Brasil em pauta, o país ainda pode ser afetado por sua política. Caso ele mantenha a promessa de taxar em 45% os produtos importados da China, isso afetará a atividade econômica chinesa e reduzirá suas importações de commodities, prejudicando as exportações brasileiras. O protecionismo do republicano também atingirá nossa exportação de soja e carne para os Estados Unidos.
Como Trump chegou lá. Leia mais.
A insatisfação da população norte-americana com a crise iniciada em 2008 foi uma das razões para a ascensão de Donald Trump. Naquele período houve uma sucessão de falências de instituições financeiras norte-americanas e europeias, que ficou conhecida como “estouro da bolha imobiliária” e abalou toda a estrutura da economia mundial.
O reflexo dessa crise no cotidiano do cidadão norte-americano, como o desemprego e a redução da qualidade de vida, pode ser considerado o estopim do sentimento de fracasso diante do processo de globalização, do qual os Estados Unidos são líderes.
Diante desse contexto, com um discurso antiglobalização, o candidato outsider Donald Trump foi vencendo as outras candidaturas nas eleições primárias e ganhando destaque no Partido Republicano. Trump também se beneficiou com a alta rejeição à candidata Hillary Clinton derivada do desgaste do governo democrata de Obama.
“Para os que não gostam de Trump, esse acúmulo de fatores foi a tempestade perfeita para que ele chegasse ao poder. Mas para os que o apoiam foi a porta de entrada”, opina Leonardo Valente.